
Fumo do incenso pode ser tão ou mais tóxico do que o fumo do tabaco? Pneumologista esclarece
Numa publicação partilhada no Instagram, alega-se, com base num estudo, que “o fumo do incenso pode ser tão ou mais tóxico que o fumo de um cigarro”. Mas será que essa foi a conclusão do estudo citado? Pode dizer-se que o fumo do incenso é mais tóxico do que o do tabaco?
É verdade que o fumo do incenso pode ser tão ou mais tóxico que o fumo do tabaco?
Em declarações ao Viral, Sofia Ravara, pneumologista e coordenadora da Comissão de Trabalho de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), considera que a comparação feita entre o fumo do incenso e o fumo do tabaco não faz sentido.
Em primeiro lugar, não existe evidência robusta que corrobore a alegação partilhada. O estudo citado na publicação trata-se de “um caso clínico”. Logo, por si só, nunca será suficiente para se chegar a uma conclusão do ponto de vista científico.
Além disso, no estudo, não se conclui que o fumo do incenso pode ser tão ou mais tóxico do que o fumo dos cigarros. Este reporte “serviu para mostrar que as pessoas que inalam incenso e têm doenças crónicas respiratórias são mais vulneráveis a essa exposição”, explica.
Para mais, na perspetiva da médica, trata-se de “uma comparação fútil” e de “um exagero mediático”. Isto porque, além de serem produtos distintos, os riscos para a saúde associados a cada um “podem ser diferentes” dependendo de inúmeros fatores.
Importa ainda salientar que “o tabaco continua a ser o maior cocktail de substâncias tóxicas e carcinogénicas que existe, até à data”, salienta.
Por isso, neste contexto, “o que é importante é dizer às pessoas que existe risco de doença” associado à queima de incenso e não comparar esse risco com o do tabaco.
Quais os riscos para a saúde associados à exposição ao fumo do incenso?
Sofia Ravara começa por explicar que “qualquer substância que arde dentro de um local fechado vai decompor-se e poderá originar não só produtos tóxicos, como também partículas respiráveis que causam inflamação pulmonar, toxicidade do ADN, toxicidade celular e stress oxidativo”.
Estes são mecanismos que levam “a doença sistémica, cardiovascular, respiratória, autoimune e cancro”, salienta.
De facto, existe evidência científica a indicar que “o incenso, só por aumentar o número de partículas respiráveis resultante da combustão, aumenta o risco de doença respiratória, doença cardíaca e até doença cancerígena”, adianta.
Alguns dos tóxicos identificados no decorrer da queima de incenso são “os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, como o benzeno, que também são libertados, por exemplo, na combustão do cigarro”, explica a pneumologista.
Segundo um texto do Cancer Council, o maior estudo feito até à data “que analisou a utilização de incenso e o cancro, acompanhou a saúde de 61 mil pessoas em Singapura”.
Embora o estudo “afirmasse que as pessoas que mais usavam incenso tinham quase o dobro da probabilidade de desenvolver cancro nas vias respiratórias do que as que não usavam, os resultados eram fracos”, salienta-se.
As diferenças entre os dois grupos estudados podem dever-se “ao acaso ou ao facto de as pessoas que usam incenso terem muito mais probabilidade de fumar cigarros do que as que não o fazem”.
De modo geral, os resultados do estudo “mostraram que a utilização de incenso não aumentou o risco de cancro e, mesmo que aumentasse, o aumento do risco seria muito pequeno”, refere-se no mesmo texto.
Além disso, tem sido reportado que o fumo do incenso “também pode afetar o desenvolvimento cerebral”. A exposição a estes produtos “está associada a alterações cognitivas, alterações da memória e à alteração do comportamento e da saúde mental”, avança.
Na perspetiva de Sofia Ravara, não parece haver “uma forma de exposição ao incenso segura”. A única maneira de as pessoas se protegerem e reduzirem o risco é “usarem o incenso o menor número de vezes, apenas em espaços abertos ou ventilados”, defende (ver também aqui).
É importante “não expor as pessoas mais vulneráveis, como crianças, doentes crónicos, pessoas idosas e grávidas”, acrescenta.
Sofia Ravara lembra que “cada vez temos mais exposições ao longo da vida e o risco de exposição é acumulativo”, por isso é que é tão importante “minimizar as exposições” a produtos que podem ser tóxicos.
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