Passa de pessoa para pessoa? 7 perguntas e respostas sobre a febre hemorrágica da Crimeia-Congo
A febre hemorrágica da Crimeia-Congo (FHCC) ganhou espaço mediático, esta semana, quando a DGS comunicou que foi detetado um caso em Portugal. A pessoa infetada era um homem de 80 anos que acabou por morrer. Mas que é a febre hemorrágica da Crimeia-Congo? Como se transmite? Há tratamento?
Em esclarecimentos ao Viral, Jaime Nina, professor e investigador no Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) da Universidade Nova de Lisboa, responde a sete perguntas sobre a febre hemorrágica da Crimeia-Congo.
O que é a febre hemorrágica da Crimeia-Congo?
A febre hemorrágica da Crimeia-Congo é uma doença causada por um vírus da família Bunyaviridae, lê-se num texto informativo publicado no site da Organização Mundial da Saúde.
Tal como explica Jaime Nina, a infeção causada por este vírus “é de curta duração”, ou seja, dura, no máximo, “entre uma semana a dez dias”.
Segundo a OMS, o vírus da FHCC pode causar “surtos de febre hemorrágica”, sendo que a taxa de mortalidade varia entre os 10% e 40%.
Além de ser “uma doença humana importante, também é uma doença veterinária relevante”, salienta o professor do IHMT.
Algumas aves, cavalos, cabras, ovelhas e bovinos, por exemplo, também podem ser afetados por este vírus.
Como é transmitida a doença?
Jaime Nina adianta que a febre hemorrágica da Crimeia-Congo “é uma arbovirose”, ou seja, “é uma infeção transmitida por artrópodes”, neste caso, “por carraças”.
Por norma, não há perigo de haver transmissão entre pessoas. Segundo o texto da OMS, a transmissão de humano para humano só pode ocorrer devido a “um contacto próximo com sangue, secreções, órgãos ou outros fluidos corporais de pessoas infetadas”.
Quais os sintomas da doença?
Uma pessoa infetada pelo vírus da febre hemorrágica da Crimeia-Congo pode ou não ter sintomas.
“Quando há sintomas, o primeiro é a febre”, avança Jaime Nina. A este sinal associam-se, muitas vezes, “dores no corpo, mal-estar e vómitos”.
Se a situação se agravar, ocorrem “manifestações hemorrágicas”, ou seja, a pessoa começa a ter “hemorragias [sangramentos] debaixo da pele, muito típicas” da doença.
Por exemplo, podem surgir “grandes áreas de hematomas graves ou hemorragias nasais graves” e “descontroladas”, salienta-se num texto informativo dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla inglesa).
Em contextos mais graves (e potencialmente mortais), podem ocorrer “hemorragias internas, nomeadamente do intestino”, refere Jaime Nina.
Quem está em maior risco de contrair a febre hemorrágica da Crimeia-Congo?
O investigador do IHMT começa por salientar que “a maioria das pessoas com esta infeção não morre”.
É importante referir que “há um espetro de infeção”, que vai depender sobretudo “da idade” e “do estado de saúde da pessoa”, frisa.
É diferente o vírus “infetar um senhor de 80 anos, como foi o caso detetado em Bragança, ou infetar um jovem de 20 anos”, anota o professor.
Outro fator que também vai ter influência no quadro clínico da pessoa, mas que “não é controlável”, é “o tamanho do inóculo”, ou seja, do agente patogénico transmitido pela carraça.
Existem várias doenças que podem ser transmitidas pelas carraças. Por isso, a gravidade da infeção também vai depender da carga viral passada pela carraça.
O nível de exposição habitual a carraças é outro aspeto relevante. “Nos países onde há mais casos, nomeadamente em África, na Europa Oriental e na Rússia, esta doença é quase exclusiva de camponeses, agricultores, caçadores e pescadores”, informa Jaime Nina.
Atualmente, os campistas também são um grupo de risco, porque estão muito expostos a carraças.
Como se pode prevenir a doença?
Até à data, refere Jaime Nina, “não há nenhuma vacina” para prevenir a febre hemorrágica da Crimeia-Congo.
Assim, a única forma de as pessoas prevenirem esta infeção é “protegerem-se das carraças”, salienta.
Aliás, as carraças devem ser sempre evitadas, porque, além da febre hemorrágica da Crimeia-Congo, podem transmitir outras doenças, “como a febre da carraça”.
Quando se trabalha no campo ou quando se vai acampar, é importante “fazer uma inspeção frequente ao corpo” e verificar se há alguma carraça.
Segundo Jaime Nina, deve-se ter especial atenção à parte de trás do corpo, ou seja, “costas, atrás das orelhas, rabo e parte de trás das pernas”.
Num comunicado da DGS, nestes contextos, aconselha-se “a utilização de roupas de cores claras para que as carraças possam ser vistas e removidas mais facilmente”.
De preferência, deve-se usar “vestuário de mangas compridas, calças compridas e calçado fechado”, acrescenta-se no mesmo documento.
Além disso, “poderá ser, também, equacionada a utilização de repelente de insetos no vestuário e proteger a pele com produtos que contenham DEET (N,N-dietilm-toluamida), em áreas de risco”.
Em passeios no campo, a DGS recomenda que se caminhe, sempre que possível, “pela zona central dos caminhos, para evitar o contacto com a vegetação”.
Caso detete carraças agarradas ao corpo, a DGS recomenda que se recorra “aos serviços de saúde para que estas sejam retiradas de forma adequada e ficar atento ao aparecimento de sinais e sintomas”.
Há tratamento para a febre hemorrágica da Crimeia-Congo?
Ainda não existe nenhum tratamento específico para a febre hemorrágica da Crimeia-Congo. Segundo Jaime Nina, “não há nenhum antivírico que se tenha demonstrado eficaz” neste contexto.
O tratamento incide, assim, na atenuação dos sintomas. Tal como se refere no texto dos CDC, “os cuidados de suporte incluem equilíbrio de fluidos, administração de oxigénio, controle da pressão arterial e tratamento de outras infeções” associadas.
Foi detetado um caso em Portugal. Há motivo para alarme?
Na perspetiva de Jaime Nina, “não há risco de surto”, nem motivo para alarme. Por um lado, as carraças “não têm preferência pelo ser humano”.
Isso, sublinha, acontece mais com os mosquitos. O investigador do IHMT explica que “os mosquitos são capazes de voar dezenas ou centenas de metros à procura do hospedeiro que preferem”. Por exemplo, “o principal mosquito da dengue ‘é um fã’ do ser humano”, refere.
Além disso, se forem tidos os cuidados necessários, as carraças “são facilmente detetadas” antes de picarem e transmitirem qualquer doença.
No comunicado da DGS também se salienta que “não há risco de surto nem de transmissão de pessoa para pessoa, evidenciando que se trata de um caso raro e esporádico”.
O vírus em questão, segundo a DGS, “não foi detetado, até agora, em carraças na rede de vigilância entomológica”, o que também “indica que o risco para a população é reduzido”.