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Faz mal pôr o telemóvel no bolso das calças? O que diz a ciência?

4 Jul 2023 - 08:30

Faz mal pôr o telemóvel no bolso das calças? O que diz a ciência?

Das crianças aos idosos e do acordar ao deitar, o telemóvel acompanha a maior parte da população em quase todas as tarefas diárias. A presença constante destes aparelhos no dia a dia tornou-se uma preocupação e há quem vaticine os possíveis riscos associados às radiações emitidas pelos aparelhos de comunicação.

Nos telemóveis, em particular, tem sido questionado o impacto que a radiofrequência – radiação utilizada por estes aparelhos para trocas de informação – poderá ter na fertilidade dos homens, especialmente dos que colocam o telemóvel no bolso da frente das calças. 

O assunto é controverso e, nas últimas décadas, tem levado à realização de vários estudos. O que diz a ciência sobre este assunto? É ou não perigoso para os homens colocarem o telemóvel no bolso da frente das calças?

O uso do telemóvel prejudica a qualidade dos espermatozóides?

Em explicações ao Viral, Mário Pereira-Lourenço, urologista creditado pela Sociedade Europeia de Medicina Sexual e especialista no IPO de Coimbra e na clínica Montes Claros, avança que “não existe evidência científica de elevada qualidade” que permita afirmar, “com segurança”, que a colocação do telemóvel no bolso da frente das calças possa ter efeitos negativos na qualidade dos espermatozoides. 

“Não devemos ter uma atitude alarmista”, prossegue o especialista, esclarecendo que, apesar de existir “uma probabilidade teórica”, “a literatura é contraditória”. Alguns estudos afirmam haver um agravamento da morfologia e mobilidade dos espermatozoides, enquanto outros garantem não haver impacto.

No mesmo sentido, João Pereira, urologista na unidade local de saúde do Alto Minho, refere que o tema é “controverso” e não se pode dizer “com certeza” que “a radiofrequência de baixa intensidade emitida pelo telemóvel quando está no bolso das calças tem impacto na fertilidade”. 

“Não temos estudos com qualidade e não temos uma causa-efeito estabelecida”, afirma, ressalvando, ainda assim, que “existem suspeitas” nesse sentido. 

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Essa “probabilidade teórica” referida por Mário Pereira-Lourenço está relacionada com o potencial aumento da temperatura dos órgãos genitais, que pode ser provocado pela radiação emitida pelo telemóvel.

“A radiofrequência do telemóvel pode levar a um sobreaquecimento, e os testículos são muito sensíveis ao aumento da temperatura”, esclarece o urologista. 

No mesmo sentido, continua, “esse aumento teórico da temperatura pode lesionar ou prejudicar o sémen, enquanto a própria radiofrequência pode alterar o ADN dos espermatozoides e levar a um aumento do stress oxidativo.”

No entanto, é importante sublinhar que não está comprovado que, numa utilização regular, os telemóveis registem um aquecimento substancial ou que a distância entre o bolso e os órgãos genitais seja suficiente para influenciar a temperatura dos testículos.

Mas não se trata apenas da temperatura. João Pereira refere que “os estudos in vitro [em laboratório] parecem demonstrar que a exposição à radiação pelo uso do telemóvel leva a uma fragmentação do ADN dos espermatozoides”, o que pode estar associado a um “maior risco de aborto ou de infertilidade”.

No entanto, o urologista explica que, nos “estudos in vivo [em humanos], os resultados são conflituantes: há estudos que mostram perda de qualidade do sémen e outros que não mostram”.

Um estudo publicado 2014 analisou o impacto da radiação emitida pelos telemóveis no ADN dos espermatozoides. A análise foi feita in vitro, utilizando amostras de sémen de 32 adultos saudáveis (duas amostras por participante). 

Enquanto uma das amostras foi colocada num termostato durante cinco horas, a segunda foi submetida às radiações de um telemóvel ligado durante o mesmo período. Os autores do estudo identificaram um maior número de espermatozóides com dificuldades de mobilidade na segunda amostra, incluindo uma maior taxa de casos de fragmentação do ADN.

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Uma revisão sistemática que analisou 18 estudos – tanto in vitro como in vivo – concluiu que a utilização dos telemóveis pode ser prejudicial à qualidade do sémen. 

Mas com uma ressalva: os autores referem várias limitações dos estudos in vivo que foram analisados, tais como a impossibilidade de isolar variáveis que podem interferir com os resultados e o facto de não ter sido tido em conta o estilo de vida dos participantes (nomeadamente, o consumo de álcool, tabaco, casos de obesidade ou o uso de roupa interior apertada).

Num outro artigo científico são também referidas algumas razões que levam à “ambiguidade” nos resultados sobre este tema: “Existem diferenças nos tipos de telemóvel usados, no modo de transmissão em que opera (‘em chamada’ vs ‘em standby’) e também na distância entre as células de espermatozóides e o telemóvel. Todas estas variantes contribuem para a ambiguidade mencionada de resultados apresentados em diferentes estudos”.

A radiofrequência tem impacto na fertilidade do homem?

Apesar dos diferentes resultados alcançados nos vários artigos científicos, os efeitos do uso do telemóvel na fertilidade dos homens, em particular na fecundabilidade – a capacidade de o espermatozóide conceber uma gravidez –, não está definida.

Apenas um estudo, realizado em 2021, se centra no impacto do uso de telemóveis na fertilidade.

Nas conclusões deste artigo é referido que “existe baixa associação entre colocar o telemóvel no bolso da frente e a fecundabilidade”. Os autores sublinham que “houve associações pouco consistentes entre a exposição aos telemóveis e o volume, concentração e motilidade do esperma”.

“À data, não é claro que a radiação emitida pelo telemóvel tenha impacto direto na fertilidade masculina”, reforça João Pereira, lembrando a baixa qualidade dos estudos sobre este assunto.

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Assim sendo, destaca, “não quer dizer que, no futuro, não possa haver estudos que o comprovem”.

Também Mário Pereira-Lourenço sublinha que, apesar de “ser verdade que há alguns estudos que mostram alteração no sémen, é mentira que esteja completamente provado que [os telemóveis] influenciam a fertilidade de forma significativa em humanos”.

O especialista assegura que, se tal ligação tivesse sido comprovada, as entidades reguladoras e as sociedades científicas teriam emitido recomendações no sentido de alertar para a necessidade de evitar o uso do telemóvel no bolso por adultos em idade fértil.

O uso do telemóvel aumenta o risco de cancro nos testículos?

No que toca ao potencial impacto das radiações emitidas pelo telemóvel no risco de cancro do testículo, as conclusões são mais robustas. Os dois especialistas sublinham que não existem provas científicas que associem o uso do telemóvel no bolso da frente ao aumento do risco de desenvolver cancro no testículo.

“Neste assunto estamos um pouco mais descansados: a literatura é mais forte e não indica a radiofrequência do telemóvel como fator de risco para o cancro”, afirma Mário Pereira-Lourenço. 

Várias organizações internacionais sublinham que a utilização dos telemóveis não aumenta o risco de cancro. 

Uma delas é Centro de Investigação para o Cancro do Reino Unido: “A radiação que os telemóveis ou as antenas de telemóveis emitem e recebem é muito fraca. Não tem energia suficiente para danificar o ADN e, por isso, é muito pouco provável que tenha capacidade para causar cancro.”

Os telemóveis utilizam ondas de radiofrequência, que é uma forma de radiação não-ionizante. Quer isto dizer que “não tem energia suficiente para causar cancro através do dano direto ao ADN dentro das células”, explica a Sociedade norte-americana para o Cancro.

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Também a agência norte-americana responsável pela proteção da saúde pública (FDA, na sigla inglesa) sublinha que “o peso de quase 30 anos de evidência científica não relaciona a exposição à energia de radiofrequência proveniente da utilização de telemóveis com problemas de saúde, como o cancro.

A FDA refere ainda que, apesar do “enorme aumento” do uso de telemóveis nas últimas décadas, não se registou um aumento dos casos de cancro no cérebro ou no sistema nervoso – devido à utilização do telemóvel perto da cabeça –, pelo contrário, “os diagnósticos nos Estados Unidos diminuíram nos últimos 15 anos”.

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4 Jul 2023 - 08:30

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