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Adoçante eritritol aumenta risco de eventos cardiovasculares? É seguro?

25 Mar 2023 - 08:00

Adoçante eritritol aumenta risco de eventos cardiovasculares? É seguro?

Um trabalho científico recentemente publicado na revista Nature Medicine procurou compreender o impacto na saúde cardiovascular de adoçantes artificiais como o eritritol. A autoria é de um grupo de investigação composto por médicos e investigadores da Cleveland Clinic, no Ohio (Estados Unidos da América) e de diferentes centros de investigação europeus.

Os investigadores encontraram forte associação entre este adoçante sem calorias, um dos mais usados pela indústria como alternativa ao açúcar, e o risco de eventos cardiovasculares como enfartes e tromboses. Assim, levanta-se a questão: é seguro consumir eritritol? Em que quantidades? 

Em declarações ao Viral, o cardiologista José Pedro Sousa, do Instituto de Oncologia do Porto (IPO) e o nutricionista Filipe Sousa, fundador da The Mile Sports Nutrition, reconhecem a metodologia e a validade deste trabalho científico e explicam as suas perspetivas sobre o consumo deste adoçante.

Eritritol e o risco de doenças cardiovasculares. Este adoçante é seguro?

O cardiologista José Pedro Sousa começa por admitir que “a investigação [deste trabalho científico] é muito robusta e fundamentada”, o que “levanta claramente a hipótese de o eritritol dever ser evitado”, em particular “por pessoas com maior risco cardiovascular”, ou seja, com doenças ou comportamentos previamente identificados tais como hipercolesterolemia, diabetes, fumadores, entre outros. 

Na mesma linha, o nutricionista Filipe Sousa reconhece a associação entre os adoçantes artificiais e riscos para a saúde cardiovascular. Por isso, defende ser “evitar a exposição ao eritritol, assim como a todos os outros adoçantes”.

Não obstante, os dois profissionais consultados pelo Viral sobre este tema sublinham que há vários fatores a ter em consideração no que diz respeito ao consumo de adoçantes artificiais e à saúde cardiovascular, tais como a dose diária consumida destes compostos, os parâmetros metabólicos, o estilo de vida e o tipo de alimentação de cada indivíduo. 

Um exemplo hipotético dado pelo cardiologista do IPO ajuda a ilustrar a importância de analisar caso a caso. “Uma pessoa de 80 anos de idade, que seja diabética e insulino-tratada, fumadora e com hipercolesterolemia deve ser informada de que a comunidade científica se debate com esta questão”, expõe.

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Também o nutricionista Filipe Sousa realça a importância da avaliação personalizada e avança o exemplo de “alguém que precisa de perder peso e tem um consumo elevado de produtos açucarados”, logo, com alto valor energético. Neste caso, o nutricionista considera que pode ser uma opção incluir alguns alimentos com adoçantes artificiais sem calorias. Isto porque “ao incluir esses adoçantes é possível melhorar todos os parâmetros metabólicos” como consequência da redução calórica e de um peso mais baixo.

Note-se que o eritritol é um hidrato de carbono semelhante ao xilitol e a outros adoçantes e existe naturalmente em algumas frutas e vegetais, sendo também produzido pelo corpo humano. Pertence à categoria dos álcoois, ou seja, é um álcool de açúcar. Por isso, tem cerca de 70% da doçura do açúcar, mas zero calorias. 

Este adoçante é também produzido de forma artificial em laboratório e adicionado a alimentos processados, comercializados como tendo “zero açúcar” e até associados a uma alimentação mais saudável pelo marketing e pela publicidade. 

Em última instância, na perspetiva do cardiologista consultado pelo Viral, “pessoas com problemas cardiovasculares devem ser informadas de que a comunidade científica tende hoje a pensar que adoçantes alcoólicos em geral e o eritritol em particular são agressivos para o sistema cardiovascular e devem ser evitados”. 

O médico lembra ainda que “as doenças cardiovasculares agudas são a principal causa de morte no mundo desenvolvido”. 

A metodologia, as conclusões e as limitações deste trabalho científico

Este trabalho científico publicado na Nature Medicine foi feito em quatro etapas. Primeiro, os investigadores fizeram um estudo metabólico não dirigido com uma amostra de 1157 pacientes com riscos de doenças cardiovasculares identificados. Depois, fizeram uma análise metabólica a uma amostra de 2149 americanos e a uma outra amostra europeia com 833 indivíduos. 

A quarta etapa foi um estudo fisiológico do comportamento do eritritol in vitro e in vivo, ou seja, em ambiente laboratorial controlado e em tecidos vivos, respetivamente. Para terminar, os investigadores analisaram um pequeno grupo de oito voluntários saudáveis para aferir os níveis de eritritol no sangue após o consumo deste adoçante.

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Na perspetiva do cardiologista José Pedro Sousa este é “um paper científico muito importante” e que, à partida, “não terá erros críticos” uma vez que foi publicado numa importante revista científica e foi revisto por pares. 

A primeira parte deste trabalho – o estudo de metabolómica não dirigida – permitiu aos investigadores medir os níveis de diferentes polióis no sangue, isto é, diferentes tipos de adoçantes da mesma categoria que o eritritol (álcoois). A conclusão é que é possível estabelecer uma ligação entre eventos cardiovasculares major (MACE) como enfarte agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC) e níveis altos de eritritol naturalmente presentes no organismo. “O hazard ratio e respetivo intervalo de confiança [medidas estatísticas] é muito grande e a associação é muito forte”, defende José Pedro Sousa. 

Perante esta observação, foi analisada a amostra americana e a amostra europeia e a associação entre os níveis elevados de eritritol no plasma sanguíneo e eventos cardiovasculares major manteve-se. Esta evidência “reforça a probabilidade de isto ser real, independentemente do tipo de alimentação”, isto é, mesmo considerando as diferenças de hábitos alimentares entre os EUA e a Europa.

No terceiro estudo científico feito no âmbito deste trabalho, o grupo de investigação analisou os efeitos biológicos do eritritol na saúde cardiovascular para tentar compreender o porquê da associação aos eventos cardiovasculares. A conclusão é que, in vitro, este adoçante artificial aumenta a reatividade das plaquetas, fazendo com que coagulem mais facilmente, situação que pode contribuir para um ataque cardíaco (enfarte agudo do miocárdio) ou AVC. A análise in vivo também demonstrou um aumento da probabilidade de trombose.

Finalmente, os investigadores analisaram o efeito no sangue de 30 gramas de eritritol através da ingestão de uma bebida adoçada com este composto em oito voluntários saudáveis. Esta quantidade é “comparável a uma lata de um refrigerante, uma dose de gelado keto ou outras comidas e bebidas com eritritol”, dizem os investigadores. Ficou demonstrado que esta ingestão aumentou 1000 vezes a quantidade de eritritol no sangue dos participantes nas horas seguintes ao consumo e que estes níveis continuavam altos até dois dias depois da ingestão.

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Em declarações ao Viral, José Pedro Sousa aponta algumas das limitações deste estudo, como o facto de ter analisado os efeitos deste adoçante apenas a três anos, ou seja, continua “desconhecido o efeito cardiovascular do eritritol a longo prazo”. 

Em linha com as conclusões dos próprios investigadores, o cardiologista do IPO sublinha que “este estudo não tem potencial para demonstrar inequivocamente uma relação de causalidade”, diz José Pedro Sousa. 

Na perspetiva do fundador da The Mile Sports Nutrition, “apesar de não haver grande dúvida de que é para tentarmos minimizar o consumo destes produtos [adoçantes artificiais]”, são necessários “mais trabalhos científicos” sobre este tema. O nutricionista alerta ainda para as substituições que se vão fazendo destes adoçantes, que devem ter em consideração os objetivos nutricionais e de saúde de cada pessoa.

“Em resumo, este estudo sugere que são necessários mais ensaios clínicos para que seja investigado o impacto do eritritol, em particular, e de outros adoçantes artificiais, em geral, com a duração apropriada e o devido seguimento para tirar conclusões relevantes para a prática clínica”, lê-se na conclusão deste trabalho científico. 

Que alimentos contribuem para a melhoria da saúde cardiovascular?

Se, por um lado, foi demonstrada uma associação entre os adoçantes artificiais e riscos de eventos cardiovasculares, também há evidência científica em relação aos alimentos com um efeito oposto, ou seja, que protegem a saúde cardiovascular.

“Está mais do que provado que o consumo de hortofrutícolas, frutos gordos e leguminosas tem um efeito protetor na saúde”, diz Filipe Sousa. O nutricionista defende também que “isto devia ser mais vezes promovido em vez de estarmos a desencorajar o consumo de determinados produtos”.

Uma porção de cerca de 30 gramas de nozes ou de outros frutos oleaginosos por dia, fruta, legumes e leguminosas, “enquadrados numa dieta do tipo mediterrânica” e “associados a padrões alimentares saudáveis, que pressupõem a diminuição de produtos ultraprocessados” – que têm, muitas vezes, a adição de adoçantes artificiais -, são, segundo o nutricionista, os alimentos a considerar para uma melhor saúde cardiovascular.

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Além destes alimentos, outros fatores como a prática de exercício físico regular, o descanso e o controlo do stress estão associados a uma melhor saúde cardiovascular.

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