Dar alimentos alergénicos ao bebé: quanto mais tarde melhor?
A introdução de alimentos potencialmente alergénicos na alimentação dos bebés é um dos temas que gera algumas dúvidas e receios entre os pais. Se antigamente a recomendação era introduzir estes alimentos o mais tarde possível, atualmente, os estudos científicos mostram que essa pode não ser a melhor prática.
Em declarações ao Viral, a nutricionista e autora da página de Instagram Chico-Papão, Mariana Batista, diz que, na teoria, qualquer alimento pode provocar uma reação alérgica. No entanto, sublinha, “há alguns alimentos responsáveis por um maior número de reações alérgicas”. São eles: o leite de vaca, o ovo, a soja, o trigo, o peixe, o marisco, o amendoim e outros frutos oleaginosos.
“Outros alimentos como o sésamo, o aipo, o tremoço e a mostarda também têm vindo a ser incluídos nesta lista por algumas entidades de saúde”, indica.
Por serem alimentos que podem provocar alergia, devem ser introduzidos na alimentação dos bebés com cautela. Atualmente, as orientações dizem que “os alimentos potencialmente alergénicos podem ser introduzidos de forma segura a partir dos 6 meses de idade, conforme recomendado pela Academia Americana de Pediatria”.
Mariana Batista explica que os estudos mais recentes mostram que há um papel protetor na sua introdução precoce (antes dos 11 meses), ou seja, “introduzir mais cedo os alergénicos, aproveitando esta janela imunológica, está associado a um menor risco de desenvolver alergia”.
Como introduzir os alimentos potencialmente alergénicos?
Na prática, a introdução deve ser feita tendo em conta três aspetos: janela horária, quantidade e exclusividade.
Os alimentos potencialmente alergénicos devem ser introduzidos o mais cedo possível no dia, “no período da manhã ou até à hora do almoço para podermos observar o bebé e eventuais reações que possam surgir”.
No que respeita à quantidade, esta deve ser muito pequena, “uma vez que em caso de alergia grave há bebés que reagem logo a quantidades muito reduzidas”, explica a nutricionista.
Mariana Batista recomenda que não se introduza nenhum alimento novo ao mesmo tempo do alimento potencialmente alergénico.
“Idealmente devemos expor o bebé ao alimento ao longo de três dias, e a quantidade pode ir aumentando gradualmente (isto porque há reações que só acontecem numa segunda ou terceira exposição e, por vezes, são dependentes da quantidade)”, esclarece ao Viral.
A especialista em nutrição materno-infantil diz que a exposição precoce a estes alimentos “e consequente redução do risco de alergia só é benéfica se for mantida de forma consistente”. Ou seja, não se deve apresentar, por exemplo, soja ao bebé uma vez e só voltar a fazê-lo meses depois.
Como saber se o bebé está a ter uma reação alérgica?
Mariana Batista esclarece que as reações alérgicas podem ser imediatas ou tardias.
As reações imediatas surgem nos primeiros 30 minutos até duas horas após a refeição, “sendo que, em alguns casos, podem surgir mesmo durante a refeição”. Quando o bebé tem uma reação durante a refeição, a mesma deve ser “interrompida de imediato”.
Já as reações tardias, “muitas vezes relacionadas com sintomas gastrointestinais, podem surgir três a quatro horas (ou até seis horas) após a ingestão do alimento e são estas as mais difíceis de identificar como sendo uma reação alérgica”.
Como se manifesta uma reação alérgica alimentar?
A nutricionista refere que as reações alérgicas em bebés e crianças podem variar muito, “tanto em termos de gravidade como na forma como se manifestam”.
Os sintomas que podem surgir e indicam que o bebé está a ter uma reação alérgica são:
- Urticária (babas ou manchas pelo corpo que causam comichão);
- Inchaço dos lábios, olhos, cara e orelhas;
- Congestão nasal;
- Sintomas respiratórios (tosse seca, falta de ar ou respiração ruidosa);
- Sintomas gastrointestinais (vómitos, dores de barriga e diarreia).
Por norma, os sintomas desaparecem em menos de 24 horas e só voltam a aparecer quando o bebé ingere ou entra em contacto com o alimento que provocou a reação alérgica.
A nutricionista materno-infantil recomenda que, “perante o aparecimento de algum sintoma, além de interromper a oferta do alimento em questão, devemos registar o sintoma e os componentes não só da refeição atual como, se possível, das refeições anteriores. O bebé deverá ainda ser avaliado pelo pediatra ou médico de família que irá ponderar o encaminhamento para a consulta de alergologia”.
Mariana Batista considera importante alertar para uma questão: a associação de dois ou mais sintomas enumerados anteriormente “é considerada uma reação anafilática que é a forma mais grave de reação alérgica a alimentos. Neste caso, os pais devem ligar de imediato para o 112 e dirigirem-se o mais rápido possível à urgência”.
Introdução tardia pode aumentar o risco de alergia?
Muitos estudos recentes concluíram que a introdução tardia dos alimentos mencionados anteriormente pode, de facto, aumentar o risco de desenvolver alergias alimentares.
O estudo Learning Early About Peanut Allergy, publicado no New England Journal of Medicine, em 2015, demonstrou que bebés com alto risco de alergia ao amendoim que provaram o ingrediente entre os 4 e os 11 meses de idade tiveram uma redução de até 81% na incidência de alergia ao amendoim aos 5 anos de idade, em comparação com os que evitaram o amendoim até os 5 anos de idade.
“Um outro estudo, o EAT (Enquiring About Tolerance), publicado em 2016, investigou a introdução precoce de vários alimentos alergénicos. Os resultados mostraram que a introdução precoce e regular de alimentos como amendoins, ovos e leite reduziu o risco de alergias alimentares em crianças”, exemplifica a nutricionista ao Viral.
Em conclusão, a introdução dos alimentos alergénios nos bebés “não deve ser atrasada”, mesmo que sofram de doenças alérgicas como a asma, rinite ou eczema.
“Adiar a introdução dos alimentos não vai diminuir o risco de reação alérgica a esses alimentos, antes pelo contrário”, afirma Mariana Batista.
Ainda assim, “é sempre aconselhável discutir a introdução de alimentos alergénicos com o pediatra que acompanha o bebé, especialmente em casos de histórico familiar de alergias”, aconselha a nutricionista materno-infantil.
Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
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