Dos pulmões à mente: 7 consequências dos incêndios florestais para a saúde
No decorrer da semana, deflagraram vários incêndios florestais em Portugal, sobretudo na zona centro e norte do país. Milhares de operacionais tentam combater as chamas, por vezes, com ajuda de civis que receiam perder os seus bens. A poluição aérea provocada pelos incêndios faz-se sentir não só pelas zonas afetadas, mas por todo o país. Mas que consequências para a saúde trazem os fogos? A exposição a um incêndio pode também ser prejudicial para a saúde mental?
Em esclarecimentos ao Viral, Paulo Santos, especialista em Medicina Geral e Familiar e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), e Tiago Pereira, psicólogo e membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), expõem sete consequências dos incêndios florestais para a saúde física e mental.
Problemas respiratórios
Na perspetiva de Paulo Santos, “as consequências mais óbvias” dos incêndios para a saúde da população prendem-se com as alterações do “funcionamento do sistema respiratório”.
Estas alterações devem-se à “poluição do ar” provocada “pelo aumento do número de partículas em suspensão”, explica.
Tal como se esclarece num texto da autoria da Direção-Geral da Saúde (DGS), “o fumo resultante dos incêndios florestais possui altos níveis de partículas e toxinas que podem causar lesões a nível respiratório, cardiovascular e oftalmológico, entre outros”.
O nível de impacto na saúde respiratória vai depender da dimensão das partículas suspensas. Segundo o mesmo texto, “as partículas com diâmetro inferior ou igual a 10 micrómetros podem ser inaladas profundamente e afetar os pulmões”.
Sabe-se ainda que “altas concentrações destas partículas levam a tosse persistente, aumento da mucosidade e dificuldade respiratória”, acrescenta-se.
Inalar o fumo de incêndios pode, entre outras coisas, causar “inflamação e estreitamento das vias respiratórias (edema)”, “bronquite” e “alterações do estado de consciência (fraqueza, sonolência, desmaio)”, lê-se num guia explicativo publicado no balcão digital do Serviço Nacional de Saúde (SNS 24).
Em casos extremos, “a inalação de fumo pode destruir células das vias respiratórias”, “afetar os níveis de oxigénio no sangue e causar insuficiência respiratória”, salienta-se.
Doenças cardiovasculares
Segundo Paulo Santos, além de “a alteração dos níveis de oxigenação” poder causar doença respiratória, também pode afetar “o resto do organismo de forma sistémica”.
O professor da FMUP refere que “o coração” é um dos primeiros órgãos afetados. De acordo com a Associação Americana do Coração, a exposição ao fumo de incêndios florestais aumenta o risco cardiovascular em todos os adultos, sobretudo em pessoas com mais de 65 anos (ver aqui e aqui).
Aponta-se, entre outros, riscos de: enfarte do miocárdio, insuficiência cardíaca, disritmia, embolia pulmonar, acidente vascular cerebral e ataque isquémico transitório.
Irritação dos olhos, garganta e nariz
No texto da DGS salienta-se que “as partículas com diâmetro superior a 10 micrómetros geralmente não atingem os pulmões”.
Contudo, isto não quer dizer que, neste contexto, o fumo não tenha impacto na saúde. Estas partículas podem “irritar os olhos, nariz e garganta”, alerta-se.
Nestas situações, refere-se no guia do SNS 24, pode haver ainda um “aumento das secreções” e/ou “expetoração” e “tosse persistente”.
Queimaduras
Por norma, quem está a combater os incêndios diretamente, como os bombeiros, tem um maior risco de queimadura da pele.
No entanto, por vezes, os próprios civis voluntariam-se para ajudar e, nesses casos, passam a correr também um risco acrescido.
O facto de estas pessoas “não terem treino nem equipamentos de proteção individual” pode aumentar mais esse risco, refere Paulo Santos.
Uma pele queimada pode ainda desencadear outros problemas de saúde. Tal como se esclarece num texto da Administração Regional de Saúde (ARS) do Alentejo, a pele tem como função “proteger o corpo contra infeções e contra a perda de água, para além de regular a temperatura”.
Quando a pele está queimada, “perdemos o controlo da temperatura, dos fluidos orgânicos, da água e da barreira contra a infeção”, sustenta-se.
Agravamento de patologias crónicas
Paulo Santos lembra que a poluição provocada pelo fumo dos incêndios florestais tem impacto não só na função respiratória mas também no funcionamento dos restantes órgãos.
Nesse sentido, pessoas com “doenças crónicas pré-existentes” podem correr o risco de “agravamento” dessas condições.
Segundo o guia do SNS 24, fala-se, sobretudo, em “doenças cardiovasculares ou respiratórias, como a asma ou a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC)”.
Mas também, aponta Paulo Santos, de “insuficiência cardíaca, doenças renal e doença hepática” (ver também aqui).
Stress agudo
Num texto publicado no site da Associação Americana de Psiquiatria refere-se que ter sentimentos como “ansiedade avassaladora, preocupação constante, dificuldade em dormir e outros sintomas típicos da depressão são reações comuns antes, durante e depois dos incêndios florestais”.
Isto acontece porque, explica Tiago Pereira, a exposição a este tipo de situações “tem um impacto muito significativo na saúde mental e no bem-estar”.
Em situações de desastre natural, como um incêndio florestal, são postos em causa três fatores importantes para o bem-estar geral: “a sensação de controlo sobre as nossas vidas, a previsibilidade e a segurança”, justifica o psicólogo.
Por isso, pode-se dizer que este tipo de situações de stress tem um impacto, não só nas pessoas afetadas diretamente pelos incêndios, mas também na população geral.
À partida, “uma situação desta natureza” afeta mais a saúde física e mental das “populações com perdas materiais e perdas de vidas” e “dos profissionais e voluntários envolvidos” no combate aos incêndios.
Além disso, também é possível que “algumas pessoas que não vivenciam diretamente estas situações, mas estão muito expostas” a informação sobre elas, como “imagens repetidas e diretos” em zonas de fogo, sofram com isso.
Pessoas com “algumas vulnerabilidades”, sobretudo, podem ficar com “alguma sensação de insegurança, vulnerabilidade, imprevisibilidade e, essencialmente, falta de controlo”, explica.
Por exemplo, refere Tiago Pereira, se uma pessoa já vivenciou uma situação semelhante e “é confrontada novamente com uma situação desta natureza, mesmo que não seja na sua região, há muitas vezes um regressar a esse momento de dificuldade (retraumatização) e isso pode trazer consequências também do ponto de vista psicológico”.
Segundo Paulo Santos, há até “um risco aumentado de ter a doença física pelo simples facto de estar a viver uma situação de stress” como esta.
“Situações de stress provocadas pelo medo de ver os seus bens potencialmente a arder ou pela angústia de ter familiares em risco” têm “um risco muito elevado em termos de uma sobrecarga psicoafetiva que vai influenciar também o comportamento e a forma como a pessoa se sente” em termos físicos.
Trauma psicológico
O conjunto de sintomatologia desencadeada pelo stress deste tipo de situações “tende a desvanecer-se”, informa Tiago Pereira. No entanto, quando esses sintomas se mantêm, “há um risco do ponto de vista da saúde mental”, avisa.
Por isso é que o psicólogo recomenda que haja “uma espécie de autoavaliação” também no sentido de “tentar olhar para nós e para os outros e tentar perceber se as outras pessoas estão, de certa forma, a fazer o caminho que a maioria da comunidade está a fazer”.
Existem alguns sinais de alerta que, quando permanecem durante muito tempo, podem indicar que uma determinada pessoa pode estar mais afetada com a situação traumática, do ponto de vista psicológico (ver aqui e aqui).
As alterações no sono e na alimentação são dois dos sinais de alerta referidos por Tiago Pereira. “Ter mais dificuldade em dormir”, dormir demais, “comer menos” ou “comer mais do que o habitual”, são alguns exemplos de alterações significativas.
Além disso, “alterações ao nível da atividade física” também são importantes. Por exemplo, alguém que “tem um interesse por um desporto, mas perde esse interesse e deixa de realizar essa atividade física”, aponta.
Também é relevante quando há um rompimento da “ligação à comunidade” ou quando a pessoa se isola.
Importa ainda realçar que ter pensamentos constantes em que a pessoa se “culpabiliza” também pode ser um sinal de alerta para situações de trauma.
Neste contexto, a pessoa pode pensar, de forma repetitiva, “que podia ter feito algo diferente para salvar um bem ou impedir que alguém se magoasse”, exemplifica o psicólogo.
Todos estes sintomas fazem parte de “um processo de recuperação”, mas tornam-se sinais de alerta quando continuam muito evidentes depois de vários meses.
Nestas situações, na perspetiva de Tiago Pereira, a primeira coisa a fazer é “procurar ajuda mais comunitária, mais próxima de nós, ou seja, procurarmos falar sobre estas situações” com as outras pessoas que passaram pelo mesmo.
Caso “as respostas emocionais intensas ao incêndio” persistam e afetem “a sua capacidade de trabalhar, de fazer as atividades do dia a dia e de estar com a família e amigos”, a DGS e a OPP recomendam que se procure ajuda especializada.