Os reencontros com familiares e amigos na altura do Natal são motivos de celebração para a maioria. No entanto, podem representar um desafio difícil de superar para quem tem problemas de compulsão alimentar. 

A exposição alimentar a produtos que não estão disponíveis durante o resto do ano, o receio de ouvir comentários sobre o corpo por parte de familiares ou amigos e o medo de perder o controlo em relação à comida podem aumentar a ansiedade dos pacientes com Perturbação da Ingestão Alimentar Compulsiva (Binge Eating Disorder, em inglês) e levar a episódios de compulsão alimentar.

Em declarações ao Viral, a psicóloga Filipa Menano de Almeida e a nutricionista e autora da página “Healthy but not on a diet”, Maria Novais da Fonseca, explicam em que consiste esta perturbação e apresentam estratégias para os pacientes lidarem com a compulsão alimentar na época festiva.

O que é a Perturbação da Ingestão Alimentar Compulsiva (ou Binge Eating Disorder)?

Filipa Menano de Almeida começa por explicar que há dois aspetos a ter em conta quando se fala em Perturbação da Ingestão Alimentar Compulsiva. Em primeiro lugar, o paciente com este problema “ingere uma quantidade de comida que é muito superior àquilo que uma pessoa, no mesmo período de tempo e em condições semelhantes, consegue ingerir”, sendo esta ingestão sempre acompanhada “por uma sensação de perda de controlo, uma sensação de não conseguir parar de comer”.

Por outro lado, existem outros sintomas associados a este consumo superior de comida, nomeadamente “ingerirem muito rapidamente a comida, com uma grande voracidade, sentirem-se desagradavelmente cheias quando estão a ingerir a comida, terem ingestões de grandes quantidades de comida apesar de não estarem a sentir fome e continuarem a comer, além da fome, sem conseguirem parar”.

Segundo a psicóloga, é comum estes pacientes “comerem sozinhos ou esconderem quando estão a comer, por vergonha da voracidade e da rapidez e da quantidade de comida que ingerem”. No mesmo sentido, as pessoas que sofrem com esta perturbação “sentem um grande desgosto, culpa e vergonha, após a ingestão alimentar compulsiva”.

Além disso, para se considerar Perturbação da Ingestão Alimentar Compulsiva, “é preciso que estes episódios aconteçam pelo menos uma vez por semana durante três meses e que não sejam acompanhados por comportamentos compensatórios, como, por exemplo, provocar o vómito, porque aí já estamos a falar de outro tipo de perturbação”.

Como lidar com a compulsão alimentar na época de Natal?

Para a nutricionista e autora da página “Healthy but not on a diet”, a melhor dica para lidar com a compulsão alimentar nesta época é “não saltar refeições para compensar” eventuais excessos alimentares. Ou seja, “não ficar sem comer por se achar que depois se vai comer muito” na ceia ou no almoço de Natal.

Nesse plano, Maria Novais da Fonseca aconselha os pacientes a “não entrarem em dieta restritiva imediatamente a seguir aos festejos, porque não vai adiantar de nada e vai incentivar brutalmente esta alimentação de oito ou 80, ou seja, a ideia de que ‘ou eu não como nada ou eu como tudo’”.

No mesmo sentido, a psicóloga Filipa Menano de Almeida aconselha a “manter uma alimentação saudável e normal”, comendo “sem restringir e sem saltar refeições”, porque “a restrição vai acabar por estimular a compulsão”.

“Para as pessoas que sofrem de compulsão em específico, além disso, é importante compreenderem que é normal haver excessos e que toda a gente comete excessos e exageros nesta altura. Isso não é sinónimo de estar a ter uma compulsão, mas sim de ser uma altura em que normalmente as pessoas comem mais”, sustenta.

Por outro lado, a psicóloga acredita que “antecipar ajuda a diminuir a ansiedade”. Logo, se for possível, as pessoas que sofrem desta perturbação devem tentar falar com os familiares ou amigos que “organizam a ceia e o almoço de natal e o jantar de fim de ano, para perceberem o que vai haver na mesa, que tipo de alimentos é que lá estarão, e se existem alimentos com os quais se sintam mais confortáveis e seguros”.

Ao mesmo tempo, “envolverem-se nos preparativos do natal, nomeadamente a preparação dos presentes e da decoração, tirando o foco total da alimentação” é também uma estratégia que pode ajudar “a baixar a ansiedade e a não limitar tanto o Natal à alimentação”.

Já durante as refeições, é fundamental “comer com consciência”. Isto é, “perceberem que podem comer um pouco de tudo, mas que podem comer uma coisa de cada vez, calmamente, e com mais consciência do que estão a fazer, até para saborearem, para sentirem prazer, para aproveitarem o momento”.

Além disso, “se existir a possibilidade de guardarem alguns alimentos para poderem comer depois, podem fazê-lo”. Deste modo, “não há tanta pressão de comer tudo naquele momento”.

O que podem os familiares e os amigos fazer para ajudar?

Posto isto, as duas especialistas consideram que os familiares e amigos de pessoas que sofrem com a compulsão alimentar podem ter um papel importante no alívio da ansiedade associada a esta época.

Ambas concordam que não fazer comentários sobre dietas ou sobre o corpo alheio são uma grande ajuda.

“Dizer ‘estás muito mais magra’ ou ‘estás muito mais gorda’ vai ser recebido de uma forma muito dolorosa e muito difícil de lidar pela pessoa com perturbação do comportamento alimentar”, adianta Maria Novais da Fonseca.

Nesse sentido, a psicóloga Filipa Menano de Almeida considera também fundamental “não pressionar e não comentar o que é comido, porque é terrível a pessoa sentir-se observada e sentir que as pessoas estão a comentar”.

Além disso, as duas especialistas defendem que devem ser trazidos para cima da mesa assuntos que não estejam relacionados com o aspeto físico e os hábitos alimentares dos outros ou dos próprios.

Assim sendo, conclui Maria Novais da Fonseca, “é importante pensarmos todos que o Natal é partilha de tantas coisas e isso inclui tão mais do que a comida e o corpo. Para conseguirmos proporcionar bons momentos a essas pessoas, falemos de mil outras coisas além do corpo e da comida”.