Comer antes de dormir faz mal? Porquê?
Muito se diz sobre os hábitos que devemos seguir para ter uma boa noite de sono. Comer antes de dormir é um dos tópicos que gera discussão, inclusive nas redes sociais, onde se encontram imensas publicações sobre o tema com diferentes perspetivas.
Um dos argumentos usados por quem defende que comer antes de dormir tem um efeito negativo no sono é que “devemos dar ao nosso corpo tempo para a digestão”, diz o autor de um dos vários vídeos publicados no Tik Tok sobre o assunto. Esta publicação defende ainda que a última refeição deve ser feita 45 minutos antes de ir para a cama.
Apesar disto, há quem se dê bem a fazer refeições tardias ou não tenha alternativa a jantar ou cear perto da hora de deitar. Será que comer antes de dormir faz mal? Porquê?
É verdade que comer antes de dormir faz mal? Porquê?
Em declarações ao Viral, o responsável pelo Centro de Medicina do Sono do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC) e Presidente da Associação Portuguesa do Sono, Joaquim Moita, defende que comer “imediatamente antes de ir dormir” faz mal, recomendando um intervalo de três a quatro horas entre a última refeição e o momento de deitar para garantir uma boa noite de descanso.
O especialista em Medicina do Sono explica que comer antes de dormir “pode perturbar a qualidade do sono” dado que a produção hormonal desencadeada pela ingestão de alimentos influencia e desregula a produção hormonal que acontece durante a noite.
“Enquanto uma pessoa come há uma série de hormonas que entram em funcionamento”, descreve, tais como a insulina (associada à glicemia), o cortisol (com efeitos metabólicos e no stress) ou a leptina (responsável pela saciedade). Joaquim Moita explica que a “produção [destas hormonas] acontece quando comemos, mas, durante a noite, não é habitual”.
Já para a nutricionista da Nordic Clinic Porto, Inês Mazagão, a resposta a esta questão é “depende”, uma vez que há vários fatores a influenciar a digestão, como o timing da refeição (jantar ou ceia), a composição do prato em termos de macronutrientes (proteína, hidratos de carbono e gorduras), a quantidade e o volume da refeição, entre outros aspetos.
Em declarações ao Viral, Inês Mazagão explica que “há componentes que são mais facilmente absorvidos, nomeadamente os hidratos de carbono”. Por outro lado, a proteína e a gordura “vão promover a ação de uma hormona – a colecistocinina (CCK) – que atrasa o esvaziamento gástrico e a digestão vai ser mais lenta”.
Em linha com o intervalo sugerido pelo Presidente da Associação Portuguesa do Sono, a nutricionista descreve que “demoramos duas a quatro horas a esvaziar o estômago totalmente”. Ainda assim, sublinha, não é possível definir um horário válido para toda a gente, “pois existe uma variabilidade interindividual muito grande” nesta questão.
Os dois intervenientes contactados pelo Viral concordam ser fundamental não ir para a cama com fome, visto que “não vai ser possível adormecer”, aponta Moita. A nutricionista recomenda que, se houver essa necessidade, se faça uma ceia cerca de 45 minutos antes do momento de deitar.
Alimentos a evitar antes de ir para a cama
Além de refeições mais pesadas ao jantar, com fritos, gorduras saturadas e elevado teor de proteína que podem dificultar a digestão, deve evitar-se o consumo de estimulantes como o álcool, o café e infusões que contenham cafeína perto da hora de descansar.
Inês Mazagão esclarece que o álcool interfere diretamente com a arquitetura do sono “pois o seu efeito sedativo vai-se dissipando ao longo da noite e pode perturbar as diferentes fases do sono”.
Além disso, “diminui a quantidade de tempo que passamos na fase REM [Rapid Eye Movement], uma fase essencial para a capacidade de memória, aprendizagem, etc”.
Sobre o café, a nutricionista expõe que esta substância tem uma semivida de cinco a 12 horas, isto é, demora cerca de sete horas para que a cafeína no organismo seja reduzida para metade.
Assim, “o café das três da tarde pode influenciar o sono”, porque “dependendo do quão rápido nós conseguimos excretar a cafeína, ela pode ficar mais ou menos tempo em circulação”.
Quanto ao chá, Mazagão alerta que as “bebidas feitas à base da planta camellia sinensis contêm teína (cafeína do chá), como o chá verde, chá preto, chá vermelho e chá branco”, pelo que outras infusões podem ter misturas destes chás e, por isso, há que ter atenção.
Em relação à influência da alimentação na qualidade do sono, o Presidente da Associação Portuguesa do Sono expõe que “o ideal é a dieta mediterrânica com cinco refeições por dia”. Se, ainda assim, surgir fome ao final do dia, é seguro optar por “um snack simples” como uma sandes ou uma peça de fruta.
De facto, a literatura científica sugere que a dieta mediterrânica tem efeitos positivos na qualidade e quantidade do sono noturno.
Uma revisão científica sobre o tema conclui que “os trabalhos existentes mostram que uma boa adesão à dieta mediterrânica está associada a uma duração do sono adequada e a outros indicadores de mais qualidade de sono”.
Ainda sobre os alimentos que prejudicam o sono, Inês Mazagão sublinha que “não há consenso científico” sobre este tema.
Por um lado, “os estudos que temos relativamente a alimentos propriamente ditos são muito limitados” e, por outro, “a metodologia dos estudos é diferente, desde as condições em que avaliamos os participantes aos métodos de aferição da qualidade do sono utilizados”.
Em sentido inverso, há alguma evidência científica em relação a alguns compostos químicos presentes nos alimentos que podem melhorar o sono. É o caso do triptofano, “um precursor da serotonina, que é depois um precursor da melatonina, a hormona que inicia o sono”, explica a nutricionista. Produtos lácteos, ovos, frango e sementes são alguns exemplos de alimentos ricos em triptofano.
Também os hidratos de carbono de elevado índice glicémico podem contribuir positivamente para o sono porque “promovem a ação da insulina” e contribuem para “dar origem à conversão triptofano, serotonina e melatonina”, descreve Inês Mazagão.
De acordo com um ensaio clínico de 2008, alimentos de elevado índice glicémico – como arroz, pão branco, batata, alguns tipos de fruta ou flocos de milho – parecem ter um impacto positivo quando consumidos quatro horas antes de dormir. Contribuem para diminuir o tempo de latência do sono, isto é, o tempo que demoramos a adormecer.
Como melhorar a higiene do sono?
A higiene do sono diz respeito a “um conjunto de rotinas e hábitos que permitem facilitar o início e a consolidação do sono”, lê-se num artigo publicado online pela Associação Portuguesa do Sono.
Um horário de sono regular, ou seja, deitar e acordar sempre à mesma hora, mesmo em dias de fim de semana ou férias, “ajuda a definir o relógio interno do seu corpo e a otimizar a qualidade do seu sono”, expõe-se no mesmo documento.
Também o ambiente do quarto deve promover o sono, com uma temperatura entre os 18 ºC e os 20 ºC, sem ruídos e sem luz. A questão da luminosidade é “essencial para regular o sistema hormonal”, afirma a APS. Isto porque a “glândula pineal é sensível à luz” e é quando o ambiente fica mais escuro que “segrega mais melatonina, o que induz o estado de relaxamento e sonolência”.
A adoção de “rituais do sono”, ou seja, um conjunto de atividades relaxantes antes de deitar para “facilitar a transição do tempo de vigília para o tempo de sono” pode também ser benéfica. Leitura, meditação ou um banho quente são alguns exemplos.
O uso de equipamentos eletrónicos também deve ser moderado na hora que antecede o sono, uma vez que a luminosidade dos ecrãs “confunde a glândula pineal e conduz a um atraso na secreção de melatonina, o que aumenta o estado de alerta e adia o início do sono”.
Em conclusão, é verdade que comer antes de dormir influencia negativamente o sono, porque a ingestão de alimentos interfere com a produção hormonal noturna e a digestão demora até quatro horas. Assim, o ideal é fazer a última refeição duas a quatro horas antes de ir para a cama.
LER MAIS ARTIGOS DO VIRAL:
- Chá de louro e cravo-da-índia emagrece e “seca barriga”?
- Xarope de cenoura caseiro cura gripes e constipações?
- Deve lavar o arroz antes de o cozinhar por causa “dos pesticidas”? Especialistas respondem
- O corpo envia sinais um mês antes de um AVC ocorrer?
- Restos de cebola são venenosos e não deve guardá-los no frigorífico?
- Comer uma banana à noite ajuda a dormir melhor?
- Café curto tem mais cafeína do que o cheio?
- Beber Coca-Cola para tratar a diarreia é eficaz e recomendável?
- Fazer unhas de gel tem riscos para a saúde? Como minimizá-los?
- Deve demolhar as leguminosas antes de as cozinhar? Porquê?
- O café é “a droga mais viciante do mundo”?
- Beber café antes da sesta tem benefícios?
- Nunca se pode tomar medicamentos com leite, sumo ou chás?
Categorias:
Etiquetas:
Alimentação | Dormir | Sono