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Comer antes de dormir faz mal? Porquê?

17 Mar 2023 - 10:30

Comer antes de dormir faz mal? Porquê?

Muito se diz sobre os hábitos que devemos seguir para ter uma boa noite de sono. Comer antes de dormir é um dos tópicos que gera discussão, inclusive nas redes sociais, onde se encontram imensas publicações sobre o tema com diferentes perspetivas.

Um dos argumentos usados por quem defende que comer antes de dormir tem um efeito negativo no sono é que “devemos dar ao nosso corpo tempo para a digestão”, diz o autor de um dos vários vídeos publicados no Tik Tok sobre o assunto. Esta publicação defende ainda que a última refeição deve ser feita 45 minutos antes de ir para a cama.

Apesar disto, há quem se dê bem a fazer refeições tardias ou não tenha alternativa a jantar ou cear perto da hora de deitar. Será que comer antes de dormir faz mal? Porquê?

É verdade que comer antes de dormir faz mal? Porquê?

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Em declarações ao Viral, o responsável pelo Centro de Medicina do Sono do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC) e Presidente da Associação Portuguesa do Sono, Joaquim Moita, defende que comer “imediatamente antes de ir dormir” faz mal, recomendando um intervalo de três a quatro horas entre a última refeição e o momento de deitar para garantir uma boa noite de descanso.

O especialista em Medicina do Sono explica que comer antes de dormir “pode perturbar a qualidade do sono dado que a produção hormonal desencadeada pela ingestão de alimentos influencia e desregula a produção hormonal que acontece durante a noite.

“Enquanto uma pessoa come há uma série de hormonas que entram em funcionamento”, descreve, tais como a insulina (associada à glicemia), o cortisol (com efeitos metabólicos e no stress) ou a leptina (responsável pela saciedade). Joaquim Moita explica que a “produção [destas hormonas] acontece quando comemos, mas, durante a noite, não é habitual”. 

Já para a nutricionista da Nordic Clinic Porto, Inês Mazagão, a resposta a esta questão é “depende”, uma vez que há vários fatores a influenciar a digestão, como o timing da refeição (jantar ou ceia), a composição do prato em termos de macronutrientes (proteína, hidratos de carbono e gorduras), a quantidade e o volume da refeição, entre outros aspetos.

Em declarações ao Viral, Inês Mazagão explica que “há componentes que são mais facilmente absorvidos, nomeadamente os hidratos de carbono”. Por outro lado, a proteína e a gordura “vão promover a ação de uma hormona – a colecistocinina (CCK) – que atrasa o esvaziamento gástrico e a digestão vai ser mais lenta”.

Em linha com o intervalo sugerido pelo Presidente da Associação Portuguesa do Sono, a nutricionista descreve que “demoramos duas a quatro horas a esvaziar o estômago totalmente”. Ainda assim, sublinha, não é possível definir um horário válido para toda a gente, “pois existe uma variabilidade interindividual muito grande” nesta questão.

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Os dois intervenientes contactados pelo Viral concordam ser fundamental não ir para a cama com fome, visto que “não vai ser possível adormecer”, aponta Moita. A nutricionista recomenda que, se houver essa necessidade, se faça uma ceia cerca de 45 minutos antes do momento de deitar.

Alimentos a evitar antes de ir para a cama

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Além de refeições mais pesadas ao jantar, com fritos, gorduras saturadas e elevado teor de proteína que podem dificultar a digestão, deve evitar-se o consumo de estimulantes como o álcool, o café e infusões que contenham cafeína perto da hora de descansar.

Inês Mazagão esclarece que o álcool interfere diretamente com a arquitetura do sono “pois o seu efeito sedativo vai-se dissipando ao longo da noite e pode perturbar as diferentes fases do sono”. 

Além disso, “diminui a quantidade de tempo que passamos na fase REM [Rapid Eye Movement], uma fase essencial para a capacidade de memória, aprendizagem, etc”.

Sobre o café, a nutricionista expõe que esta substância tem uma semivida de cinco a 12 horas, isto é, demora cerca de sete horas para que a cafeína no organismo seja reduzida para metade. 

Assim, “o café das três da tarde pode influenciar o sono”, porque “dependendo do quão rápido nós conseguimos excretar a cafeína, ela pode ficar mais ou menos tempo em circulação”.

Quanto ao chá, Mazagão alerta que as “bebidas feitas à base da planta camellia sinensis contêm teína (cafeína do chá), como o chá verde, chá preto, chá vermelho e chá branco”, pelo que outras infusões podem ter misturas destes chás e, por isso, há que ter atenção.

Em relação à influência da alimentação na qualidade do sono, o Presidente da Associação Portuguesa do Sono expõe que “o ideal é a dieta mediterrânica com cinco refeições por dia”. Se, ainda assim, surgir fome ao final do dia, é seguro optar por “um snack simples” como uma sandes ou uma peça de fruta.

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De facto, a literatura científica sugere que a dieta mediterrânica tem efeitos positivos na qualidade e quantidade do sono noturno

Uma revisão científica sobre o tema conclui que “os trabalhos existentes mostram que uma boa adesão à dieta mediterrânica está associada a uma duração do sono adequada e a outros indicadores de mais qualidade de sono”.

Ainda sobre os alimentos que prejudicam o sono, Inês Mazagão sublinha que “não há consenso científico” sobre este tema. 

Por um lado, “os estudos que temos relativamente a alimentos propriamente ditos são muito limitados” e, por outro, “a metodologia dos estudos é diferente, desde as condições em que avaliamos os participantes aos métodos de aferição da qualidade do sono utilizados”.

Em sentido inverso, há alguma evidência científica em relação a alguns compostos químicos presentes nos alimentos que podem melhorar o sono. É o caso do triptofano, “um precursor da serotonina, que é depois um precursor da melatonina, a hormona que inicia o sono”, explica a nutricionista. Produtos lácteos, ovos, frango e sementes são alguns exemplos de alimentos ricos em triptofano.

Também os hidratos de carbono de elevado índice glicémico podem contribuir positivamente para o sono porque “promovem a ação da insulina” e contribuem para “dar origem à conversão triptofano, serotonina e melatonina”, descreve Inês Mazagão.

De acordo com um ensaio clínico de 2008, alimentos de elevado índice glicémico – como arroz, pão branco, batata, alguns tipos de fruta ou flocos de milho – parecem ter um impacto positivo quando consumidos quatro horas antes de dormir. Contribuem para diminuir o tempo de latência do sono, isto é, o tempo que demoramos a adormecer.

Como melhorar a higiene do sono?

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A higiene do sono diz respeito a “um conjunto de rotinas e hábitos que permitem facilitar o início e a consolidação do sono”, lê-se num artigo publicado online pela Associação Portuguesa do Sono.

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Um horário de sono regular, ou seja, deitar e acordar sempre à mesma hora, mesmo em dias de fim de semana ou férias, “ajuda a definir o relógio interno do seu corpo e a otimizar a qualidade do seu sono”, expõe-se no mesmo documento. 

Também o ambiente do quarto deve promover o sono, com uma temperatura entre os 18 ºC e os 20 ºC, sem ruídos e sem luz. A questão da luminosidade é “essencial para regular o sistema hormonal”, afirma a APS. Isto porque a “glândula pineal é sensível à luz” e é quando o ambiente fica mais escuro que “segrega mais melatonina, o que induz o estado de relaxamento e sonolência”.

A adoção de “rituais do sono”, ou seja, um conjunto de atividades relaxantes antes de deitar para “facilitar a transição do tempo de vigília para o tempo de sono” pode também ser benéfica. Leitura, meditação ou um banho quente são alguns exemplos.

O uso de equipamentos eletrónicos também deve ser moderado na hora que antecede o sono, uma vez que a luminosidade dos ecrãs “confunde a glândula pineal e conduz a um atraso na secreção de melatonina, o que aumenta o estado de alerta e adia o início do sono”.

Em conclusão, é verdade que comer antes de dormir influencia negativamente o sono, porque a ingestão de alimentos interfere com a produção hormonal noturna e a digestão demora até quatro horas. Assim, o ideal é fazer a última refeição duas a quatro horas antes de ir para a cama.

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Categorias:

Sono

Etiquetas:

Alimentação | Dormir | Sono

17 Mar 2023 - 10:30

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