7 dicas e cuidados: Guia prático para começar a correr
A corrida é uma forma de exercício físico benéfica para a saúde, com a vantagem de poder ser feita em qualquer lugar e de ter poucos custos associados. Por isso, quando o objetivo é mexer o corpo sem gastar muito dinheiro, calçar as sapatilhas e começar a correr é uma opção válida para muitas pessoas. Mas por onde começar? Que cuidados específicos se deve ter antes, durante e depois da corrida?
Em declarações ao Viral, Miguel Gomes, professor de Anatomia e Cinesiologia na Faculdade de Motricidade Humana (FMH) e membro do Laboratório de Função Neuromuscular, e Daniel Gonçalves, professor auxiliar na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), assinalam sete cuidados a ter quando se quer começar a correr.
1- Procurar aconselhamento especializado antes de começar a correr
Muitas vezes, movidas pela motivação de iniciarem a prática de exercício físico, depois de longos períodos de inatividade e de comportamentos sedentários, há pessoas que começam a correr sem recorrer a qualquer tipo de aconselhamento.
Contudo, adianta Daniel Gonçalves, apesar de todos os seus benefícios, “o exercício físico também tem riscos associados”.
Na corrida, há dois grandes tipos de risco que se destacam: “o risco cardiovascular e o risco de lesão musculoesquelética”.
Na perspetiva do especialista, o risco cardiovascular é o mais preocupante. “Embora raros e pouco frequentes, existem episódios de morte súbita associados à prática de exercício físico”, salienta.
A causa destes episódios “não é do exercício em si”, mas das “doenças cardiovasculares conhecidas ou desconhecidas”, prossegue.
Assim, tendo em conta os riscos associados, os dois especialistas contactados pelo Viral consideram essencial tentar perceber se é necessário procurar aconselhamento médico antes de se iniciar a corrida.
No caso de pessoas com doenças crónicas diagnosticadas, “é sempre preciso haver uma avaliação médica que verifique a segurança, esclareça sobre a presença ou ausência de contraindicações e informe sobre os cuidados a ter” no exercício, aponta Daniel Gonçalves.
Se a pessoa não tiver nenhuma doença crónica diagnosticada, existe um conjunto de sinais que devem levar a pessoa à procura de um aconselhamento médico, nomeadamente: “ter dispneia (falta de ar), palpitações, tonturas, desmaios, ou sentir uma dor nos membros inferiores que ocorre quando caminha e alivia quando interrompe o esforço”, refere.
Em consulta, o médico irá “confirmar se estes sintomas são preocupantes ou não”, bem como “se têm na sua origem uma doença cardiovascular”, explica o professor da FADEUP.
Só depois é que a pessoa poderá realizar exercício físico, consoante a avaliação e a recomendação médica.
Por outro lado, na perspetiva de Miguel Gomes, quando a pessoa “não tem muito conhecimento na área do exercício”, numa fase de início da atividade física, “é importante procurar aconselhamento junto de um profissional do exercício”.
Desse modo, garante-se que “a atividade é feita da melhor forma possível, minimizando riscos de lesões e garantindo uma progressão adequada”, sustenta.
2 – Escolher o local adequado para a prática de corrida
Miguel Gomes começa por explicar que a corrida é um exercício físico com um impacto significativo “do ponto de vista articular e musculoesquelético”.
Por isso, sobretudo no início da atividade, é fundamental correr “num local confortável, idealmente plano e com um piso regular”, esclarece.
Daniel Gonçalves explica que, “quando se está a começar a correr ou a caminhar, o trauma mecânico de uma superfície muito dura, de cimento ou alcatrão”, por exemplo, “pode causar mais dano, mais desconforto e sintomas musculares, ligamentares ou articulares, nos dias seguintes”.
Assim, havendo a possibilidade, o ideal é usar “um calçado confortável” e correr “numa superfície mais amiga, como um parque da cidade ou uma superfície de terra batida, tendo cuidado para evitar pisos com muita irregularidade”.
Com a prática da corrida, pode-se “fazer uma transição progressiva das superfícies menos traumáticas para as mais traumáticas”, sugere o especialista.
3 – Começar por caminhar
No caso de uma pessoa que nunca correu ou que tem pouca experiência na prática deste exercício e que “vai interromper um comportamento sedentário, começar logo com corrida não é a melhor ideia”, defende Miguel Gomes.
Isto porque, acrescenta Daniel Gonçalves, se a pessoa começar logo a correr, “provavelmente, vai sentir dores ou um desconforto musculoesquelético muito grande, o que sinaliza um esforço maior do que aquele que o corpo está preparado para suportar, incorrendo em maior risco de lesão”.
Estes fatores podem “levar ao abandono” da prática de exercício físico, “e não é isso que se pretende”, destaca o professor da FADEUP.
Assim, os especialistas recomendam que, em primeiro lugar, se comece por praticar caminhadas regulares.
A partir do momento em que a pessoa já tolera bem a caminhada, “pode, então, começar a introduzir alguns momentos de corrida”, refere Miguel Gomes.
4 – Ter atenção à duração e intensidade do exercício
As recomendações da Organização Mundial de Saúde são claras: deve-se fazer pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana (ver aqui).
Com esse objetivo em mente, numa primeira fase, em média, deve-se tentar “chegar aos 30 minutos por dia de caminhada”, aponta Daniel Gonçalves.
Isto não significa que a pessoa terá de caminhar logo os 30 minutos num dia. Pode fazer “15 minutos hoje, 15 minutos amanhã, e depois vai acumulando, aumentando a duração diária, até chegar ao final de uma semana com pelo menos 150 minutos de caminhada”, exemplifica o especialista.
Por outro lado, assinala Miguel Gomes, também é importante “garantir que existe uma frequência suficiente desses estímulos, ou seja, não basta caminhar uma vez por semana”.
Do ponto de vista do professor da FMH, caminhar “duas a três vezes por semana já é uma boa frequência”.
Outra questão importante é a intensidade da caminhada. Segundo Daniel Gonçalves, existem três níveis de intensidade na atividade física: “o nível ligeiro, o moderado e o vigoroso”.
Se a pessoa que está a caminhar “consegue falar com o colega sem sentir falta de ar, mas não consegue cantar, é porque está na intensidade moderada”, explica.
Caso consiga cantar, “significa que estava numa intensidade muito baixa e que essa ‘dose’ de estímulo facilmente deixará de ser suficiente para promover o desenvolvimento de adaptações e efeitos positivos para a saúde que se pretende”.
Depois desta fase inicial de adaptação, em que se implementam caminhadas, pode-se “começar a intercalar a caminhada com períodos de corrida”, sugere o professor da FADEUP.
Miguel Gomes dá um conselho semelhante: “não tem de se correr logo de forma contínua, ou seja, pode-se ir intercalando períodos de caminhada com corrida, sempre respeitando o corpo e tentando perceber as sensações que se vai tendo”.
Segundo Daniel Gonçalves, “não há uma regra”, mas, sim, “múltiplas estratégias”, que vão ter diferente eficácia em diferentes pessoas.
O importante, na perspetiva do especialista, “é que cada um encontre a estratégia que mais se adapta às suas capacidades físicas, disponibilidade de tempo e gosto”.
A título de exemplo, sugere que, na primeira semana, a pessoa comece “com 30 segundos de corrida intercalados com um minuto de caminhada”.
Pode-se repetir esta técnica “oito vezes consecutivas, por exemplo”, acrescenta.
Na segunda semana, “em vez de correr apenas 30 segundos, já vai tentar correr um minuto consecutivo e caminho um minuto”, prossegue.
Sete dias depois, “aumenta-se um pouco mais, corre-se um minuto e meio e descansa-se um minuto”, por exemplo.
Esta progressão, na visão de Daniel Gonçalves, vai permitir que a pessoa, “ao fim de quatro, cinco ou seis semanas”, consiga “começar a correr períodos consecutivos mais prolongados”.
No fundo, reforça Daniel Gonçalves, deve-se “permitir que o organismo se adapte e que essas adaptações sejam progressivas”.
Acima de tudo, na perspetiva de Miguel Gomes, é fundamental estar minimamente confortável durante o exercício. Se uma pessoa estiver “bastante desconfortável, talvez seja melhor parar, não forçar muito, também para evitar que ocorram lesões”.
5 – Manter a hidratação adequada
Do ponto de vista dos especialistas, é muito importante manter a hidratação adequada antes e depois da corrida.
Miguel Gomes explica que “não há uma obrigação de ingerir líquidos se não tivermos sede, mas, sobretudo em dias de calor e perante a necessidade”, é essencial fazer essa gestão.
Neste contexto, quando se fala em hidratação, refere-se, sobretudo, o aumento da ingestão de água. Daniel Gonçalves realça que, “para a população em geral, a ingestão de bebidas energéticas não faz sentido”.
6 – Proteger-se do sol e do calor
A corrida ao ar livre tem muitos benefícios. Ainda assim, há alguns cuidados extra a ter, sobretudo no verão.
Miguel Gomes explica que “a subida da temperatura corporal interna é um dos fatores que contribui para o aumento da perceção de esforço e da fadiga”.
Para evitar que a temperatura do corpo aumente, pode-se “correr ou caminhar num local com sombras”, sugere.
Além disso, aponta Daniel Gonçalves, utilizar “roupa confortável, não muito justa, e que permita que o ar circule” também é uma medida importante na regulação da temperatura corporal interna.
O protetor solar é indispensável quando se pratica exercício físico ao ar livre e, sempre que possível, deve-se evitar correr “nas horas de maior calor”, defende o professor da FADEUP.
Apesar de a evidência científica indicar que a atividade física tem “um efeito protetor no desenvolvimento de vários cancros”, o cancro cutâneo não é um deles (ver aqui e aqui).
Isto porque, como “a população tende a expor-se à luz solar sem tomar as devidas precauções, incorre no risco de cancro da pele”, alerta.
7 – Reservar tempo para descansar e recuperar
Para Miguel Gomes, um dos maiores erros que se comete é começar a correr numa perspetiva de tudo ou nada. Há pessoas que “querem passar de não correr nada para correr muitos quilómetros por semana e a uma intensidade muito elevada”.
Além de ser necessário haver “uma progressão em volume e intensidade de treino”, também é muito importante “respeitar o processo de recuperação do corpo”, defende.
Isto porque, “se não houver boas sensações envolvidas no exercício, muito dificilmente este será mantido a longo prazo”.
Aliás, na visão de Daniel Gonçalves, “o descanso é tão importante como o próprio exercício em si”.
Quando “a pessoa é iniciante e muito descondicionada, é importante, por exemplo, introduzir um dia de recuperação a cada um ou dois dias de treino”.
Esta questão “deve ser individualizada” em função “da situação em que essa pessoa está e como se sente”, salienta o especialista.
No dia da recuperação, a pessoa deve “garantir que descansa, ou seja, naquele dia, não faz esforços físicos intensos, podendo, contudo, realizar exercícios de baixa intensidade ou intercalar com a realização de exercícios dirigidos a outros grupos musculares diferentes daqueles que estão envolvidos na corrida, permitindo assim que o organismo recupere”, recomenda.
Se a recuperação estiver a ser difícil, explica Miguel Gomes, “então, é porque, se calhar, se abusou um bocadinho na duração ou na intensidade do treino”.
Além disso, durante o período de descanso, a pessoa deve “ter uma alimentação equilibrada, para que o organismo consiga ir buscar os nutrientes necessários para se regenerar e repor as reservas energéticas”, aconselha Daniel Gonçalves.
O último aspeto essencial a ter em conta é o sono. Segundo o especialista, “ter uma boa higiene de sono” é também fundamental para a recuperação do organismo.
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