Pedimos ao ChatGPT para montar uma dieta. Nutricionistas comentam os resultados
Recorrer ao “Doutor Google” para conselhos sobre saúde e alimentação tornou-se uma prática comum nos últimos anos. Mas a quantidade de links e informações gerada por uma simples pesquisa no motor de busca pode causar alguma confusão. Aliás, o mais provável é que, ao pesquisar sobre a dieta perfeita para perder peso, chegue a várias respostas diferentes e até contraditórias.
Para muitas pessoas, essa questão parece ter sido resolvida com o surgimento de ferramentas de inteligência artificial, como o ChatGPT. Este chatbot responde de forma rápida, estruturada e “amigável” a praticamente qualquer dúvida, sobre qualquer área. Mas será que o ChatGPT é uma ferramenta fiável e útil na definição de um plano alimentar adaptado às nossas necessidades?
Para refletir sobre essa questão, decidimos fazer um teste. Pedimos ao ChatGPT que desenvolvesse um plano alimentar de um dia para uma mulher com 30 anos, 75 quilos e 1,60 metros de altura, que pretende perder peso. E, de seguida, pedimos a duas nutricionistas – Marta Silvestre, especialista em nutrição clínica e professora auxiliar na NOVA Medical School (NMS), e Tânia Cordeiro, especialista em nutrição comunitária e saúde pública e assessora do Gabinete da Evidência Científica da Ordem dos Nutricionistas – que comentassem os resultados gerados pela ferramenta.
Qual foi a resposta do ChatGPT?
Em primeiro lugar, o ChatGPT começou por calcular a taxa metabólica basal (TMB), ou seja, a quantidade de calorias necessárias para a manutenção das funções vitais do organismo durante um dia.
Segundo o método utilizado pela plataforma, a equação de Harris-Benedict (ver aqui), uma mulher com 30 anos, 75 quilos e 1,60 metros de altura tem uma TMB de 1522 calorias.
De seguida, o ChatGPT pressupõe que a pessoa em questão tenha “um nível de atividade ligeiramente ativo”. Por isso, considera que, neste caso, para manter o peso, é necessário que ingira “2093 calorias por dia”.
Para perder peso de forma saudável, o ChatGPT recomenda “um défice de cerca de 500 calorias por dia”, levando-o ao valor final de 1593 calorias diárias.
Após todos estes cálculos, o chatbot apresenta o seguinte plano alimentar de um dia:
Pequeno-almoço (350 calorias)
– 1 tigela de aveia (40g) cozida em água com 1 colher de chá de mel
– 1 banana média
– 1 punhado de nozes (15g)
– 1 chá verde sem açúcar
Lanche da Manhã (150 calorias)
– 1 iogurte natural magro (150g)
– 1 maçã pequena
Almoço (450 calorias)
– Salada de frango grelhado (100g) com folhas verdes, tomate, pepino, cenoura ralada, e 1 colher de sopa de azeite
– 1 fatia de pão integral
Lanche da Tarde (150 calorias)
– 1 barra de proteína ou um punhado de nozes (30g)
– 1 laranja
Jantar (400 calorias)
– 1 posta de salmão grelhado (120g)
– 1 porção de brócolos cozidos ao vapor
– ½ chávena de quinoa cozida
– Salada de folhas verdes com 1 colher de sopa de azeite e vinagre
Lanche da Noite (100 calorias)
– 1 copo de leite magro (200ml)
Por fim, o ChatGPT lembra a importância de “beber bastante água durante o dia e ajustar conforme o necessário”.
O chatbot acrescenta ainda que “este plano alimentar é equilibrado e oferece uma variedade de nutrientes essenciais”, mas não deixa de recomendar que se consulte “um nutricionista ou médico antes de iniciar qualquer plano de perda de peso”.
O que dizem as nutricionistas sobre os resultados apresentados pelo ChatGPT?
1 – O ChatGPT determina as calorias necessárias de forma teoricamente correta
O ChatGPT tem apenas a informação de que uma mulher com 30 anos, 75 quilos e 1,60 metros de altura precisa de um plano alimentar para perder peso.
Segundo Tânia Cordeiro, “tendo em conta os requisitos colocados”, esta ferramenta consegue fazer “o cálculo das necessidades energéticas” de uma forma teoricamente correta.
Marta Silvestre também partilha do mesmo ponto de vista. De facto, “para a maioria das pessoas saudáveis, com uma distribuição corporal média ou mediana, as equações que o ChatGPT usou estão bem validadas”, salienta.
Além disso, “o ajuste à atividade física também está validado”, bem como “a abordagem padrão do défice calórico de 500 calorias”, acrescenta a professora da NMS.
2 – Há fórmulas mais recentes e mais atualizadas do que a utilizada pelo ChatGPT
Apesar de ser uma equação validada, “a taxa metabólica basal calculada através da equação de Harris-Benedict” só é adequada “para a população geral”, ou seja, é válida “para a média da população”, esclarece Marta Silvestre.
Além disso, refere Tânia Cordeiro, a fórmula escolhida pelo ChatGPT “para o cálculo das necessidades energéticas é a mais antiga” que existe, “sendo que a versão original foi publicada em 1919, tendo sido revista em 1984” (ver aqui).
Na perspetiva da nutricionista, “existem várias fórmulas, mais recentes, que estão mais atualizadas e diferem tendo em conta o estadio de vida”, como, por exemplo, “as fórmulas da Food and Nutrition Board Institute of Medicine, dos Estados Unidos da América”.
3 – Seguir estas fórmulas pode não ser suficiente no cálculo do défice calórico
Marta Silvestre adianta que seguir estas fórmulas, por si só, pode não ser suficiente para criar um plano alimentar adequado, porque não permite perceber “a quantidade de tecido magro e de tecido gordo que a pessoa tem”.
Consoante os valores de massa gorda e de massa magra, que só podem ser obtidos através de “um exame de composição corporal”, a pessoa pode ter “uma taxa metabólica basal diferente”, explica a nutricionista.
Por exemplo, “uma mulher pode ter 75 quilos e ter 45% de gordura corporal ou pode ter 75 quilos e ter apenas 12%”.
Assim, “o ChatGPT pode dar um plano para uma mulher muito padrão, com 22% de gordura corporal, que é mais ou menos a média expectável, mas ele não mediu a composição corporal” da pessoa. Esse ajuste, salienta a especialista, só pode ser feito de forma eficaz por um nutricionista.
Além disso, a ferramenta também faz uma “restrição calórica de 500 calorias”, que é o considerado “padrão”. No entanto, na verdade, essa restrição pode não ser a mais adequada para todos os casos, “porque, às vezes, retirar 500 calorias a um dia alimentar, para certas pessoas, é imenso”, refere Marta Silvestre.
Esta simples redução no défice calórico, que não é tida em conta pelo chatbot, pode significar uma maior ou menor adesão ao plano.
4 – O ChatGPT não devolve questões fundamentais para desenhar um plano personalizado e adequado
Na perspetiva das nutricionistas, o plano alimentar de um dia, apresentado pelo ChatGPT, para uma pessoa padrão com as características fornecidas poderia, em teoria, ser adequado e, segundo Tânia Cordeiro, ”até pode respeitar os princípios básicos de uma alimentação saudável”.
Mas isto só é verdade, refere Marta Silvestre, “considerando essa mulher como uma pessoa completamente saudável, sem alergias ou intolerâncias, sem restrições alimentares, sem gostos e preferências, com um horário normal de trabalho e com possibilidade de fazer as refeições que deseja”, o que nem sempre acontece.
Tal como explica Marta Silvestres, o ChatGPT “é um sistema machine learning”, ou seja, “vai gerindo a informação à medida que o vamos ‘alimentando’”.
Ao contrário do que acontece numa consulta de nutrição, o ChatGPT, por norma, não devolve ao “paciente” questões que lhe permitiriam conhecer outras variáveis fundamentais na definição de um plano alimentar personalizado. No teste feito pelo Viral, por exemplo, a ferramenta limitou-se a desenhar, de imediato, um plano alimentar para um dia completo, sem questionar o seu interlocutor sobre outras características da pessoa que pudessem ser relevantes neste contexto.
Do ponto de vista de Tânia Cordeiro, falta, por exemplo, responder a várias perguntas, como: “Este plano alimentar está adequado? Qual o histórico clínico? Qual o histórico alimentar? Qual a sua rotina diária? Quais as suas preferências? Qual a sua cultura alimentar? Quais os seus objetivos? Quais os alimentos de que mais gosta e de que menos gosta?”.
Para a nutricionista, a ausência deste “grupo de questões é o principal problema”. Isto é, “o ChatGPT não pode fazer o que apenas um humano pode fazer, que é conhecer a pessoa, adaptar o seu plano alimentar às suas necessidades, quer sejam elas nutricionais, de saúde, culturais e sociais”, esclarece.
Não ter em conta essas variáveis pode, inclusive, pôr a saúde da pessoa em risco. Marta Silvestre dá um exemplo: “a pessoa pode estar a tomar um medicamento que tem uma contraindicação com determinado alimento”.
A toranja, exemplifica, “é altamente contraindicada para pessoas que fazem um tipo específico de terapêutica farmacológica para a hipertensão”, alerta.
Se a pessoa não informar o ChatGPT de que está a tomar aquele medicamento específico, pode não saber que não deve comer aquele alimento. Ao consumi-lo, pode pôr em risco a sua saúde.
Existem ainda outras especificidades que o ChatGPT não vai conseguir ter em conta, como o acesso da pessoa a certos tipos de alimentos.
“O Chat GPT não sabe onde a pessoa vive e que supermercados é que a pessoa tem por perto”, nem se a mulher em questão tem a possibilidade financeira de comprar todos os alimentos que a ferramenta sugere.
Para Marta Silvestre, outra questão relevante a ter em conta é o facto de o ChatGPT “dar apenas uma dieta padrão distribuída pelo dia todo”, assumindo que a pessoa tem o hábito e a possibilidade de fazer todas aquelas refeições num horário padrão.
No fundo, resume, estas “particularidades” que a ferramenta de inteligência artificial não consegue ter em conta – porque “não lhe foi cedida essa informação” – são essenciais na estruturação de um plano alimentar personalizado.
5- A recomendação de um especialista é um aspeto positivo
Um dos aspetos positivos na resposta do ChatGPT, segundo Tânia Cordeiro, é que a ferramenta faz questão de “consciencializar a importância do recurso a um nutricionista” ao aconselhar a procura de um especialista.
Esta questão também é destacada num artigo recente, publicado no Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, em que se reflete sobre a influência do ChatGPT e de outros chatbots no trabalho dos nutricionistas (ver aqui).
“Esta ferramenta é mais útil para um nutricionista”
Ambas as especialistas questionadas pelo Viral consideram que o ChatGPT pode ser interessante, do ponto de vista profissional, para pessoas que trabalham na área da nutrição.
Aliás, na perspetiva de Marta Silvestre, “esta ferramenta é mais útil para um nutricionista que consiga criticar e otimizar as respostas do que para o consumidor final”.
Isto porque, lembra, “o ChatGPT faz o que consegue com a informação que damos” e, “se não temos o conhecimento suficiente sobre isso, torna-se complicado obter respostas precisas”.
Por isso, neste contexto, uma pessoa não especializada “não vai saber o que é importante questionar e que informação é importante dar” para obter um plano de perda de peso personalizado.
Assim, as nutricionistas concordam que, apesar de este tipo de ferramentas poder ter algumas vantagens, o acompanhamento por um nutricionista é fundamental.
Até porque, apesar de tudo, corre-se sempre o risco de o ChatGPT dar informações desatualizadas, imprecisas e inadequadas.
Caso um nutricionista “não cumpra o seu dever deontológico, podemos fazer queixa ao Conselho Jurisdicional”, aponta Tânia Cordeiro.
Por outro lado, acrescenta, “o ChatGPT não dá essa garantia”. Caso seja “feito um plano alimentar desadequado”, não há forma de fazer “uma potencial queixa de má prática”, conclui Tânia Cordeiro.
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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
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