Range ou aperta os dentes? O que é (e como tratar) o bruxismo
Sente dores intensas no maxilar com frequência e já foi chamado à atenção por estar a cerrar os dentes com força de forma inconsciente? Pode ter bruxismo, uma condição que se caracteriza por um habitual ranger ou apertar dos dentes.
Em declarações ao Viral, Miguel Meira e Cruz, dentista, diretor da Unidade de Sono do Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa e CEO do Centro Europeu do Sono, esclarece o que é o bruxismo, quais as causas, como é feito o diagnóstico e como pode ser tratado.
O que é o bruxismo?
Miguel Meira e Cruz começa por explicar que “bruxismo é a designação dada a uma atividade exacerbada da musculatura mastigatória”, que se traduz num “ranger ou apertar os dentes, morder a língua e/ou manter a mandíbula numa posição fixa”.
Esta atividade, prossegue o especialista do sono, “pode ter uma distribuição circadiana, em momentos distintos do dia e em distintos estados de consciência”, ou seja, pode ocorrer “durante a vigília e durante o sono, com mecanismos, associações e consequências eventualmente distintas” (ver também aqui e aqui).
Quais as causas do bruxismo e como é diagnosticado?
Por norma, “o diagnóstico é clínico e baseia-se na conjugação de sinais e sintomas, bem como na contextualização psicossocial”, destaca Miguel Meira e Cruz.
Sintomas como “a sensação de ranger ou apertar os dentes com a marcação da bochecha ou da língua, dentes gastos, fraturados, com mobilidade, e fraturas de restaurações são aspetos comuns a ter em conta na avaliação”.
Além disso, também se deve ter em conta “a história de dor na região craniofacial [cabeça e rosto], disfunção articular e ressonar ou suspeita de apneia do sono”, acrescenta o médico.
Embora seja controversa e confusa a relação do bruxismo no contexto patológico, esta condição está “frequentemente associada a aumento do stress psicossocial, alterações ou perturbações relacionadas com o sono, refluxo gastroesofágico e uso de substâncias como alguns medicamentos ou cafeína”, explica Miguel Meira e Cruz.
Como é tratado o bruxismo?
Os objetivos do tratamento do bruxismo são a redução da dor, a prevenção de danos permanentes nos dentes e a redução do apertar dos dentes.
Num texto do Instituto Nacional de Investigação Dentária e Craniofacial (NIDCr) dos Estados Unidos referem-se alguns tratamentos (que podem ser discutidos com um profissional de saúde) e dicas que podem ajudar na melhoria dos sintomas associados ao bruxismo.
Por um lado, salienta-se a necessidade de fazer mudanças no comportamento, como alterar “a posição de repouso da boca e da mandíbula de modo a reduzir o apertar e ranger dos dentes”.
Nesse sentido, também se aconselha os doentes a tentarem aumentar a consciência dos seus hábitos de ranger ou apertar os dentes, obrigando-se a mudar.
Outra dica referida é encontrar mecanismos que permitam gerir o stress.
Além disso, o médico que acompanha o doente pode recomendar a utilização de “protetores bucais” para separar os dentes”. Usar estes aparelhos “evita danos nos dentes e pode reduzir a atividade muscular devido ao ranger e apertar”, refere-se no artigo do NIDCr.
O tratamento dos “dentes lascados ou desgastados” é igualmente importante, tal como as idas regulares ao dentista.
Num artigo do Sistema Nacional de Saúde britânico (NHS), refere-se ainda que é essencial “não fumar” nem “consumir drogas”, “não beber álcool em excesso” e “não mascar pastilhas elásticas ou comer alimentos duros se tiver dores de dentes ou de maxilar”.
Noutro plano, uma vez que doenças como o refluxo gastroesofágico ou perturbações do sono (como a apneia do sono) estão associadas ao bruxismo, caso se verifiquem, também devem ser tratadas.
De acordo com um texto do Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Digestivas e Renais dos Estados Unidos (NIDDK), “os sintomas do refluxo gastroesofágico podem ser controlados através de alterações do estilo de vida ou da toma de medicamentos”.
Em relação à apneia do sono, segundo um texto do Sistema Nacional de Saúde (SNS), uma das medidas essenciais no tratamento deste distúrbio respiratório do sono é a “adoção de uma boa higiene do sono”.
Também se recomenda “não usar medicamentos para dormir com efeito de relaxante muscular” e perder peso, caso seja necessário.
Pode ainda ser receitado por um médico a “ventiloterapia durante o sono” (ventilação através de uma máscara), uma cirurgia ou a utilização de um dispositivo que avança “o maxilar inferior, aumentando o espaço da via respiratória”, salienta-se no mesmo texto.
Por outro lado, a ausência de tratamento do bruxismo poderá não só causar os danos já referidos, mas, num estudo recente do qual Miguel Meira e Cruz foi co-autor, também se levantou a hipótese de a atividade motora rítmica repetitiva (caraterística do bruxismo) poder mediar o risco cardiometabólico (hipertensão e diabetes).
Esta questão foi levantada, porque as pessoas com insónia crónica e apneia do sono (em simultâneo) têm um risco cardiometabólico “consideravelmente superior” em comparação com doentes com uma das condições de forma isolada.
Os resultados obtidos no estudo, do ponto de vista de Miguel Meira Cruz, podem significar que o bruxismo (não tratado) em pessoas com estas duas condições pode estar a “contribuir para uma resposta inadequada ao stress e para um aumento desse risco cardiovascular e metabólico associado”.
Contudo, salienta, são necessárias mais investigações, de modo a “ampliar o contexto e a metodologia para confirmar esta hipótese”.