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Banho gelado de 30 segundos ajuda a emagrecer? E tem riscos?

Partilha-se nas redes sociais uma nova técnica de emagrecimento de “apenas 30 segundos”. Segundo várias publicações, tomar um banho gelado vai ativar os tecidos adiposos castanhos e queimar gorduras. Esta alegação tem fundamento científico? E quais os riscos desta prática?

5 Dez 2022 - 10:46

Banho gelado de 30 segundos ajuda a emagrecer? E tem riscos?

Partilha-se nas redes sociais uma nova técnica de emagrecimento de “apenas 30 segundos”. Segundo várias publicações, tomar um banho gelado vai ativar os tecidos adiposos castanhos e queimar gorduras. Esta alegação tem fundamento científico? E quais os riscos desta prática?

A promessa de um corpo supostamente perfeito é o mote de várias técnicas de perda de peso partilhadas nas redes sociais. Apesar de a maioria destas publicações se centrarem em dietas restritivas e alimentos supostamente milagrosos, há também outras técnicas de emagrecimento a circular no Facebook. Uma das mais recentes baseia-se na alegação de que tomar um banho gelado é uma forma de queimar gordura sem dieta e sem exercício físico.

Num desses posts, em formato vídeo, diz-se que “um banho gelado de apenas 30 segundos, principalmente nos nossos ombros, costas e pescoço, pode ajudar na perda de peso”. Segundo o autor da gravação, isto acontece porque ao ser exposto ao frio o corpo ativa a produção de gordura castanha, provocando “a queima desta gordura que pode ficar acumulada por anos”.

Além disso, sustenta o criador do vídeo, “o banho gelado diminui a pressão arterial e fortalece o sistema imunológico”, lembrando que “a pessoa tem que estar em boas condições de saúde para tomar banho gelado”.

Mas estas alegações têm fundamento científico? E quais os riscos desta prática?

É verdade que um banho gelado de 30 segundos ajuda a emagrecer?

banho gelado

“Não existe nenhuma prova científica de que esta teoria resulte”, adianta, em declarações ao Viral, João Sérgio Neves, médico endocrinologista no Centro Hospitalar Universitário de São João e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Na perspetiva do especialista, “uma técnica como a exposição ao frio, mesmo que intermitente, não será suficiente para perder peso”. O endocrinologista sublinha que, para tal acontecer, “terá de haver uma alteração no estilo de vida, na condição física” e lembra que “há também pessoas que podem ter problemas de saúde na base” que poderão dificultar o emagrecimento.

“Mesmo numa pessoa com ligeiro excesso de peso, normalmente é preciso intervir em vários campos”, prossegue João Sérgio Neves, referindo-se às alterações alimentares e ao nível da atividade física. No caso das pessoas com obesidade, o endocrinologista adianta existirem “muitos mecanismos complexos que fazem com que as pessoas com obesidade tenham dificuldade em perder peso e, mesmo depois de o perderem, voltem a ganhar com facilidade”.

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Por isso, continua, “não é expectável que esta prática funcione”, embora haja “uma base subjacente” a esta ideia “que não é totalmente descabida”. O especialista refere-se à existência de dois tipos de gordura – a castanha e a branca – referidas na publicação. Enquanto os tecidos adiposos castanhos existem desde o nascimento, os brancos são reserva energética, que vão surgindo quando é ingerida uma maior quantidade de calorias do que as gastas pelo organismo.

“O tecido castanho sempre foi conhecido, existe também nos recém-nascidos. Está localizado entre as clavículas e serve para a adaptação dos bebés ao meio ambiente”, explica ao Viral Isabel do Carmo, médica endocrinologista e professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Nos adultos, este tecido adiposo castanho também existe, mas a quantidade é muito variável de pessoa para pessoa.

O que se sabe sobre o frio e a ativação de gordura

banho gelado

Nesse sentido, os dois especialistas explicam que o tecido adiposo castanho tende a ser ativado pelo frio.

Quando é ativado, este tecido vai queimar as reservas de gordura branca para produzir calor e, assim, manter a temperatura do organismo estável – entre os 35ºC e os 37ºC. “Verificou-se – primeiro em ratos e depois em humanos – que, se o organismo fosse submetido a temperaturas muito frias, os tecidos castanhos eram ativados para libertar calor e para aquecer o corpo. Depois, começou-se a ver o que acontecia com a gordura branca”, avança Isabel do Carmo.

“Se formos submetidos ao frio, o nosso corpo vai ativar mecanismos para se aquecer. Esses mecanismos muito complexos são ativados pelos tecidos gordos castanhos, que ativam o fornecimento de energia. Tal como acontece quando fazemos dieta e o corpo vai buscar as reservas para produzir energia”, afirma a especialista.

Num estudo realizado em ratos, foram comparados os efeitos de uma dieta hipocalórica (em que a quantidade de calorias ingeridas por dia é inferior à que o organismo necessita) e o impacto das baixas temperaturas na queima de gordura. Em ambos os casos, as perdas de gordura branca foram semelhantes. No entanto, é importante ressaltar que os resultados dos estudos realizados em animais não podem ser transpostos diretamente para os humanos, dado que o funcionamento dos organismos é diferente – estes estudos são, normalmente, potenciadores de hipóteses.

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João Sérgio Neves explica que “o frio poderá ser uma forma de ativar o tecido adiposo castanho e aumentar o gasto energético”, mas alerta que este resultado “varia muito de pessoa para pessoa porque a quantidade de tecido adiposo castanho nos adultos é muito variável”. 

“A literatura neste tema é muito escassa e baseada em evidências indiretas, ou seja, em estudos realizados em animais”, alerta o endocrinologista.

Além de não haver provas científicas de que os “banhos gelados de 30 segundos” tenham efeito, a publicação em análise tem também várias incorreções: a gordura castanha não é variável em função do peso e não é queimada durante o tempo em que o corpo está em contacto com baixas temperaturas. Quando são ativados, estes tecidos adiposos queimam a gordura branca, que se deposita em várias zonas do corpo quando a quantidade de calorias ingeridas é superior à gasta pelo organismo, tendo uma função de reserva energética. 

A temperatura a partir da qual o organismo ativa os tecidos castanhos e o tempo necessário para que ocorra uma redução significativa da gordura branca varia entre os estudos realizados sobre os assuntos. Um dos artigos publicados sobre o assunto refere que a exposição crónica ao frio – de pelo menos duas horas por dia durante seis semanas – “resulta não apenas no aumento da atividade de gordura castanha e termogénese induzida pelo frio, mas também uma significativa perda de massa gorda corporal”.

Banho gelado pode ter elevados riscos para doentes cardíacos

banho gelado

Numa das publicações onde é sugerido o banho gelado há um alerta: “A pessoa tem que estar em boas condições de saúde para tomar banho gelado.” Na verdade, além de não haver provas de que esta prática funcione, tomar “banho gelado” pode ter, de facto, riscos sérios para a saúde, sobretudo em pessoas com doenças do foro cardiovascular, alertam os dois endocrinologistas contactados pelo Viral.

Quando o organismo está em ambientes com temperaturas baixas, para evitar perder calor, o sistema nervoso simpático entra em ação. “A ativação do sistema nervoso simpático vai levar a uma sobrecarga vascular que para uma pessoa saudável não é problemática, mas para uma pessoa com problemas cardíacos poderá causar arritmias, agravamento da doença cardíaca ou até mesmo desencadear um enfarte do miocárdio”, alerta João Sérgio Neves. 

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Também Isabel do Carmo deixa um aviso: “As pessoas com problemas cardiovasculares têm de ter muito cuidado com esta técnica porque podem fazer uma constrição das coronárias e desenvolver um enfarte, podem morrer”, sublinha a médica.

Para quem sofre de patologias crónicas como rinite ou sinusite, o frio poderá também ser um fator de agravamento da sintomatologia. Nos casos de doentes asmáticos com sensibilidade ao frio, estes banhos gelados vão colocar o paciente perante o principal desencadeador dos sintomas, aumentando o risco de crises.

5 Dez 2022 - 10:46

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