PUB

“O coração gosta de gordura.” É mito que alimentos gordurosos fazem mal ao coração?

5 Ago 2024 - 09:45

“O coração gosta de gordura.” É mito que alimentos gordurosos fazem mal ao coração?

“Vamos acabar com mitos”. É com esta frase que começa um vídeo publicado no TikTok, numa conta para “amantes de churrasco e defumados”, em que se alega ser  um “mito” que alimentos gordurosos fazem mal ao coração.

O autor do vídeo diz, inclusive, que “o coração gosta de gordura” e que 70% da energia que o coração usa é “tirada da gordura” e não dos hidratos de carbono. Nesse sentido, defende, o coração “prefere trabalhar com gordura”. Enquanto estas palavras são ditas aparecem como pano de fundo várias imagens de carne com grossas camadas de gordura.

Mas será mesmo um mito que alimentos gordurosos não fazem mal ao coração? O Viral esclarece a questão com dois cardiologistas e uma nutricionista.

Os alimentos gordurosos não fazem mal ao coração?

alimentos gordurosos gordura coração

Diana Teixeira, nutricionista e professora na NOVA Medical School, e Hélder Dores, médico cardiologista e professor na mesma faculdade, adiantam que “não é verdade” que os alimentos gordurosos não fazem mal ao coração.

PUB

Numa declaração conjunta enviada ao Viral, os especialistas dizem estar “claramente documentado e comprovado na literatura” que a ingestão “em excesso de gordura”, sobretudo de gordura saturada e trans, é “prejudicial” para a saúde cardiovascular.

Aliás, explicam, a gordura em excesso é um dos “principais fatores de risco” para algumas doenças, como o enfarte agudo do miocárdio, que acontece devido à acumulação e formação de placas de “gordura” nas artérias coronárias.

No mesmo sentido, Luísa Bento, cardiologista do Hospital Garcia de Orta e coordenadora do Grupo de Estudo de Fisiopatologia do Esforço e Reabilitação Cardíaca da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, refere que “não há estudos científicos validados” que demonstrem que os alimentos gordurosos não fazem mal ao coração. 

Esta ideia é também defendida pelo National Institutes of Health que refere que o excesso de gordura na alimentação “aumenta” o risco de “determinadas doenças” e que a alimentação saudável “reduz” o risco de doenças cardíacas.

Uma revisão sistémica e meta-análise a 43 estudos, que incluiu 4.462.810 doentes, publicada no European Heart Journal, mostrou que o consumo de carne vermelha (processada e não processada) aumenta “significativamente” o risco de eventos cardiovasculares (por cada 100g de carne por dia) e o risco de diabetes.

Em declarações ao Viral, a cardiologista Luísa Bento esclarece que quando falamos de gordura “temos de as dividir” em categorias: saturadas, trans e insaturadas.

A médica explica que, no que diz respeito às saturadas, que estão presentes nas “carnes, laticínios, queijos, massas, chocolates”, está “mais do que provado” que este tipo de gorduras aumenta o risco de doenças cardiovasculares, assim como as gorduras trans, que são “muito utilizadas em alimentos processados”, como pastéis e bolos.

PUB

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o consumo de gorduras trans está associado à morte de cerca de 540 mil pessoas por ano.

No mesmo sentido, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, na sigla inglesa) adianta que o consumo de alimentos ricos em gordura saturada e trans “pode contribuir” para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares.

A médica do Hospital Garcia de Orta esclarece que as pessoas deviam analisar os rótulos antes de comprarem os produtos, uma vez que as gorduras trans estão “escondidas” em muitos alimentos. Nesse sentido, considera que deveria apostar-se em maior literacia em saúde, com ações nas escolas, através da comunicação social ou até nas superfícies comerciais.

Já as gorduras insaturadas “não fazem mal ao coração”, se forem introduzidas numa alimentação equilibrada, explica a cardiologista do Hospital Garcia de Orta. Este tipo de gordura está presente em alimentos como o azeite, o peixe (sobretudo nos peixes gordos, como o salmão e a sardinha) e alguns frutos secos.

Quando consumidas “com equilíbrio”, as gorduras insaturadas pode ser “benéficas”. Por exemplo, o azeite tem vitamina E, refere a coordenadora do Grupo de Estudo de Fisiopatologia do Esforço e Reabilitação Cardíaca da Sociedade Portuguesa de Cardiologia.

Na mesma explicação ao Viral, Diana Teixeira e Hélder Dores, da NOVA Medical School, dizem que está “completamente errada” a mensagem de que o coração gosta de grossas camadas de gordura, como é apresentado no vídeo. “Nem o coração nem outro órgão gosta deste tipo de gordura”, apontam.

A nutricionista e o cardiologista esclarecem que a gordura é importante como fonte energética para o funcionamento do organismo, referindo-se às de “boa qualidade”, inseridas numa alimentação equilibrada.

Isto é, o azeite deve ser a gordura de “eleição” para cozinhar e temperar. No grupo da carne, pescado e ovos, deve privilegiar-se o consumo de “peixe, carnes brancas e ovos”, em detrimento de “carnes vermelhas e processadas, como produtos de charcutaria e salsicharia”.

PUB

Os dois professores da NOVA Medical School referem que deve consumir-se “duas ou mais porções” de peixe, por semana, sobretudo, peixes gordos, como sardinha, carapau, cavala e atum.

Em contrapartida, as carnes vermelhas não devem ser consumidas mais do que “uma ou duas vezes por semana” (100g). Além disso, deve ser “eliminada a gordura visível antes de cozinhar a carne”.

Ainda na explicação conjunta, dizem ser uma “afirmação falaciosa” que 70% da energia que o coração usa “é tirada de gordura”. A energia que o organismo utiliza “provém de várias fontes”, como hidratos de carbono, proteínas, gordura e vitaminas e minerais que se encontram nos alimentos.

O “bom funcionamento metabólico” é assegurado por uma alimentação “equilibrada e variada”, apontam.

Na mesma linha, Luísa Bento considera falso que 70% da energia que o coração usa “é tirada de gordura”.

Mas quais as consequências do consumo de gordura em excesso para a saúde cardiovascular? Pode provocar “aterosclerose”, que pode ter como

complicações, por exemplo, enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, doença arterial periférica. Adicionalmente, referem o cardiologista e a nutricionista consultados pelo Viral, pode originar obesidade, diabetes e hipertensão arterial.

Em termos globais, provoca “muitas outras complicações” a níveis endócrino, gastrointestinal, músculo-esquelético, pulmonar e neoplásico.

Doenças cardiovasculares: o que são, fatores de risco e como minimizá-los

alimentos gordurosos gordura coração

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo. Só em 2019, estima-se que tenham morrido 17,9 milhões de pessoas com este tipo de doenças.

Uma pessoa morre a cada 36 segundos dos Estados Unidos da América com doenças cardiovasculares, o que representa 25% da taxa de mortalidade no país, refere o U.S. Department of Agriculture (USDA) num artigo assinado que cita o CDC.

PUB

A doença cardiovascular corresponde a “qualquer doença que afete” este sistema, como a doença coronária, insuficiência cardíaca, arritmias, miocardiopatias, doenças valvulares, acidente vascular cerebral, doença arterial periférica, hipertensão pulmonar, cardiopatia congénita, refere o professor da NOVA Medical School Hélder Dores.

Segundo a World Heart Federation, 85% das mortes por doença cardiovascular devem-se a enfartes agudos do miocárdio e a acidentes vasculares cerebrais.

A maioria das doenças cardiovasculares surgem de um estilo de vida “desadequado”, sobretudo, uma alimentação incorreta e inatividade física. 

Nesse sentido, ter uma “alimentação adequada” é “essencial” para a prevenção, controlo e tratamento da doença cardiovascular, assinala o professor da NOVA Medical School

Questionado sobre os fatores de risco, Hélder Dores esclarece que estes são subdivididos entre “modificáveis” e “não modificáveis”. Entre os modificáveis estão, por exemplo, a hipertensão arterial, dislipidemia, tabagismo, diabetes, obesidade, sedentarismo e stress. Nos não modificáveis destacam-se “alterações genéticas, história familiar de doença cardiovascular em familiares de primeiro grau, idade e sexo (masculino)”.

A adoção de um estilo de vida saudável, com uma alimentação adequada, prática regular de exercício físico, perda de peso, abstinência tabagística, melhoria da qualidade do sono e, quando indicado, realização de medicação, é “essencial” para reduzir os fatores de risco tanto em pessoas “sem doença cardiovascular” como após um “evento clínico.

A ideia é também defendida num artigo informativo do CDC, que diz que um estilo de vida saudável reduz o risco de doenças cardiovasculares. Nesse sentido, a organização recomenda a ingestão de “muita fruta e vegetais” e menos alimentos processados.

Também a OMS assinala que a maioria das doenças cardiovasculares pode ser prevenida através da abordagem de fatores de risco comportamentais.

PUB

——————–

Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.

Categorias:

Alimentação

Etiquetas:

FEED

5 Ago 2024 - 09:45

Partilhar:

PUB