Do alho aos chás: 7 alimentos e plantas que podem interagir com medicamentos
Apesar de a comunidade científica continuar a alertar para os riscos da toma de produtos naturais sem orientação médica, ainda há quem acredite que “o que é natural não faz mal”.
Guiadas por esta ideia, há pessoas que, enquanto fazem a sua medicação habitual, consomem determinados alimentos, chás ou suplementos como se fossem uma terapia complementar, sem saber que podem afetar a eficácia de certos fármacos ou potenciar os seus efeitos secundários. Que alimentos e plantas podem interagir com medicamentos? Qual o impacto dessas interações na saúde?
Em declarações ao Viral, Maria da Graça Campos, coordenadora do Observatório de Interações Planta-Medicamento (OIPM) da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra (FFUC), expõe alguns alimentos e plantas que, quando consumidos de forma excessiva e/ou inadequada, podem interagir com medicamentos.
Que alimentos e plantas interagem com medicamentos?
Antes de referir alguns alimentos e plantas que podem interferir com certos fármacos, Maria da Graça Campos começa por salientar que há três questões muito importantes a ter em conta: a quantidade de determinado alimento ou planta consumida, quando se ingere e durante quanto tempo.
Isto porque, dependendo das respostas, um determinado alimento ou planta pode interferir ou não com certas medicações.
À partida, “a quantidade é fundamental” e o problema de se encarar os alimentos como medicamentos é precisamente esse: “não ter a perceção” de que o que é natural “também pode ser tóxico”, destaca.
Por isso é que é tão importante “um doente fazer a terapêutica certinha”, “ter uma alimentação variada”, mas não encarar tudo o resto (alimentos e plantas) como medicação.
Quando se pretende tomar qualquer tipo de suplemento deve-se falar primeiro com um profissional de saúde, também devido ao risco de interações com medicamentos. Que interações são essas? Quais os alimentos e plantas que podem interferir com fármacos?
Alho

O alho é um dos alimentos que tem mais interações com medicamentos. No entanto, também é um dos que é menos provável causar interação, porque, normalmente, é consumido em poucas quantidades.
Apesar disso, como refere Maria da Graça Campos, “hoje exageramos muito mais nas quantidades que consumimos”. Por isso, a especialista aconselha que se tenha alguma prudência, sobretudo quando se está a tomar certos medicamentos.
Isto porque, tal como se aponta na base de dados do OIPM, o consumo excessivo de alho “pode aumentar a concentração plasmática de fármacos metabolizados” por determinadas enzimas, “potenciando a sua toxicidade e efeitos adversos”.
É o que acontece com os “fármacos anti-hipertensores”, informa-se. As doses elevadas de alho em conjunto com a toma destes medicamentos pode “conduzir a hipotensão”.
Ainda é preciso ter mais cuidado quando se toma suplementos de alho, dado que, nesse contexto, a concentração é maior e a toma é, por norma, contínua.
Por exemplo, refere-se num texto informativo do Centro Nacional de Saúde Complementar e Integrativa dos Estados Unidos (NCCIH, na sigla inglesa), “tomar suplementos de alho pode aumentar o risco de hemorragias” se a pessoa “estiver a tomar um anticoagulante, como a varfarina”.
Além disso, o alho também pode “interferir com a eficácia de alguns medicamentos, incluindo o saquinavir, um medicamento utilizado para tratar a infeção pelo HIV”, acrescenta-se.
Este alimento também pode inibir a ação de dezenas de medicamentos (ver aqui), incluindo o omeprazol e até o ibuprofeno.
Toranja

Segundo Maria da Graça Campos, a toranja é composta por substâncias químicas orgânicas chamadas “furanocumarinas”.
Estes compostos, “quando se metabolizam no fígado, diminuem a função de uma enzima que metaboliza a maioria dos medicamentos” (ver também aqui), explica.
Isto pode provocar dois desfechos diferentes. Por um lado, certos medicamentos podem não ser metabolizados (como alguns antiarrítmicos), ou seja, “ficam no organismo durante mais tempo, tornando-se tóxicos” para a pessoa em questão.
Por outro lado, há fármacos que, devido a esta ação, não têm qualquer efeito, como a ciclosporina (um imunossupressor que impede o corpo de rejeitar órgãos transplantados).
Chás medicinais

Maria da Graça Campos explica que “utilizar uma planta na alimentação” é diferente de utilizá-la “como medicamento”.
Ao contrário do que se pode pensar, os produtos naturais também podem ter efeitos tóxicos no organismo, sobretudo quando são utilizados de forma contínua e indiscriminada.
A especialista dá o exemplo das plantas medicinais, como “a camomila, a cidreira, a tília e o gengibre”.
Estas plantas, por serem consideradas “medicinais”, “têm um efeito mais potente no nosso organismo do que um alimento”.
Por isso, a coordenadora do OIPM recomenda que se tenha algum cuidado no consumo, por exemplo, de chás feitos a partir destas plantas.
Muitos deles interferem com medicamentos anticoagulantes, antidepressivos antiagregantes plaquetários (medicamentos usados para prevenir tromboses).
Por exemplo, como se refere na base de dados do OIPM, a cidreira e a valeriana, quando tomadas em conjunto com “fármacos ansiolíticos”, “sedativos” e “depressores do Sistema Nervoso Central” podem “apresentar um efeito sedativo aditivo”.
Noutro plano, aponta-se que “o gengibre pode atuar de forma sinérgica com fármacos anti-hipertensores, potenciando o seu efeito hipotensor”.
Esta planta pode ainda diminuir a eficácia de medicamentos “antiácidos e antiulcerosos” e pode “aumentar o risco de hemorragias” quando consumido em conjunto com “fármacos antiagregantes plaquetários e anticoagulantes”.
Pessoas com diabetes também devem ter cuidado com a ingestão de gengibre, já que esta planta “pode conduzir a um efeito hipoglicemiante aditivo quando tomado concomitantemente com fármacos antidiabéticos”, acrescenta-se no site do OIPM.
Hipericão (ou erva-de-são-joão)

Segundo Maria da Graça Campos, o hipericão, também conhecido como erva-de-são-joão, é uma das plantas com mais interações com medicamentos.
De acordo com um texto informativo publicado no site do NCCIH, esta planta é conhecida “por diminuir os efeitos dos medicamentos”, ao acelerar os processos do organismo “que transformam os medicamentos em substâncias inativas”.
Um dos efeitos mais apontados na base de dados do OIPM é o facto de o hipericão poder “diminuir a concentração plasmática dos contracetivos orais, diminuindo a sua eficácia e efeito terapêutico, com possibilidade de ocorrência de hemorragia intermenstrual”.
Além disso, destaca-se no texto do NCCIH, há mais fármacos que podem interagir com esta planta. Alguns exemplos são: “antidepressivos”; “a ciclosporina”; “alguns medicamentos para o coração, incluindo digoxina e ivabradina”; fármacos para o HIV, como o indinavir e a nevirapina; alguns medicamentos para o cancro; e a varfarina (um anticoagulante).
Alimentos ricos em fibras

Os alimentos com um alto teor de fibra podem, de facto, interferir na observação de alguns medicamentos. No entanto, neste caso, o cuidado a ter é no momento em que se toma a medicação.
Isto é, os cereais, por exemplo, “normalmente não interferem com medicamentos”, salienta Maria da Graça Campos.
No entanto, “se eu tomar um comprimido com os cereais, aí já interferem, porque o medicamento não vai ser absorvido pelo organismo”, aponta.
Por isso, neste contexto, a solução é tomar a medicação “meia hora antes das refeições ou duas horas depois”, aconselha.
Alguns dos medicamentos cuja eficácia pode ficar comprometida são: os fármacos para combater a pressão arterial elevada (anti-hipertensores), antidepressivos, medicamentos para a diabetes e para o colesterol elevado (ver também aqui).
Planta do chá e café

É comum não se ter atenção às quantidades quando bebemos chá. Contudo, quando se fala na planta do chá (usada para fazer chá preto, branco e verde) é recomendado ter alguma prudência, sobretudo porque é composta por cafeína.
Nesse sentido, na perspetiva de Maria da Graça Campos, o café e outras bebidas compostas por cafeína também devem ser consumidos com moderação.
Além de o excesso de cafeína ter várias consequências negativas para a saúde (ver aqui), também “pode interferir com a ação de alguns medicamentos”, destaca.
Na base de dados do OIPM refere-se que “a planta do chá, devido à cafeína, exerce uma ação estimulante sobre o Sistema Nervoso Central, contrariando a atividade de fármacos depressores e, consequentemente, diminuindo o seu efeito terapêutico”.
Devido ao seu teor em vitamina K, a planta do chá, quando consumida em grande quantidade, pode diminuir a eficácia de agregantes plaquetários e de anticoagulantes (ver aqui e aqui).
Além disso, esta planta pode “aumentar o risco de ocorrência de efeitos adversos” quando consumida em conjunto com analgésicos e antidislipidémicos, por exemplo.
Os contracetivos orais também têm o seu efeito diminuído, porque a planta do chá pode neutralizar “a atividade de hormonas estrogénicas” (pode ver mais interações específicas da planta do chá aqui).
Aloe Vera

Na visão de Maria da Graça Campos, apesar de grande parte das pessoas não ter essa informação, o aloe é uma das plantas com maior potencial tóxico.
Segundo a especialista, o seu consumo indiscriminado pode, entre outras coisas, ter “efeitos tóxicos no fígado, baixar a coagulação e inibir a agregação plaquetária”.
Por isso, refere-se no site do OIPM, o aloe pode “potenciar os efeitos de fármacos anticoagulantes e antiagregantes, aumentando o risco de ocorrência de hemorragias”.
Noutro plano, refere Maria da Graça Campos, o aloe pode “causar cólicas, já que é um laxante potente”.
Assim, realça-se na base de dados do OIPM, se for consumido por uma pessoa que toma laxantes, pode “conduzir a situações de desidratação e desequilíbrio eletrolítico” por potenciar este efeito.
Devido ao seu efeito na espoliação de potássio, o aloe pode aumentar os efeitos secundários dos medicamentos utilizados para tratar arritmias cardíacas e também “pode aumentar os efeitos dos diuréticos, aumentando o risco de hipocalcemia” refere-se.
De acordo com um texto do NICCH, o aloe pode ainda “aumentar o risco de efeitos adversos do medicamento digoxina, utilizado para alguns problemas cardíacos”.
——————–

Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.
Etiquetas: