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Afrontamentos são inevitáveis? Um guia sobre a menopausa

Um calor incontrolável na parte superior do corpo que deixa o rosto ruborizado e causa suores intensos. Assim se pode resumir, em poucas palavras, o afrontamento, um dos sintomas mais associados à menopausa. O Viral descodifica esta fase da vida das mulheres.

9 Mai 2023 - 03:14

Afrontamentos são inevitáveis? Um guia sobre a menopausa

Um calor incontrolável na parte superior do corpo que deixa o rosto ruborizado e causa suores intensos. Assim se pode resumir, em poucas palavras, o afrontamento, um dos sintomas mais associados à menopausa. O Viral descodifica esta fase da vida das mulheres.

O mundo lembra-se da menina adorável do filme ET – O Extraterrestre, viu-a crescer e tornar-se mulher adulta aos olhos dos cinéfilos (e não só). Recentemente, o público assistiu em direto ao início de mais uma etapa da vida de Drew Barrymore: a entrada na perimenopausa (vulgarmente conhecida como pré-menopausa).

Enquanto entrevistava os atores Jennifer Aniston e Adam Sandler no programa de televisão matutino distribuído pela CBS, a apresentadora e atriz de 48 anos retirou o casaco e disse o seguinte: “Estou muito quente. Acho que estou a ter um dos primeiros afrontamentos da perimenopausa”.

O momento abriu a oportunidade para se falar de um assunto esquecido, menorizado e, por vezes, escondido da sociedade: a menopausa. Em declarações ao Viral, Fernanda Geraldes, responsável pela Consulta de Menopausa no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e ex-presidente da Secção Portuguesa de Menopausa da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, explica o que está por trás deste sintoma e esclarece algumas das ideias preconcebidas sobre esta etapa da vida das mulheres. 

Todas as mulheres sentem afrontamentos na menopausa?

“Não é verdade”, declara Fernanda Geraldes. Embora se estime que “cerca de 60% a 70% das mulheres quando começam a ter a diminuição da função ovárica tenham sintomas – que não passam necessariamente apenas pelos afrontamentos -, aproximadamente 30% pode não ter qualquer sintoma”. 

Ainda assim, reconhece a ginecologista, “sem dúvida nenhuma que a sintomatologia mais frequente é a que aconteceu em direto à atriz, ou seja, são os calores, também conhecidos como afrontamentos ou fogachos, associados a uma vasodilatação, com as mulheres a ficarem vermelhas na parte superior do corpo e com um ar afogueado”.

Aliás, num estudo publicado em 2015 verificou-se que 85% mulheres na fase da menopausa reportaram sentir estes calores repentinos.

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É um sintoma descrito “como uma sensação intensa de calor que é difícil de suportar, acompanhada de sudorese, ou seja, de suores intensos, e pode acontecer várias vezes, tanto durante o dia, como durante a noite”, esclarece a especialista. 

Em alguns casos, a mulher pode sentir-se constrangida, “sobretudo quando ocorre à frente de outras pessoas, porque pode ser mesmo extremamente intenso”.

“Quando acontece durante a noite, acaba por perturbar o sono, e algumas mulheres têm perturbações bastante intensas a este nível nesta fase da vida”, acrescenta.

Qual é a causa destes calores súbitos?

Sabe-se que os estrogénios, que são as hormonas produzidas pelos ovários, “são importantes para a termorregulação do corpo que é feita na base do cérebro, ao nível do hipotálamo e da hipófise”, explica Fernanda Geraldes. 

Quando os estrogénios deixam de ser produzidos pelos ovários, em associação também com outras alterações ao nível da serotonina e outros processos fisiológicos e neuroquímicos, esse centro termorregulador não consegue funcionar com o mesmo equilíbrio e as consequências são sentidas, sobretudo, na parte superior do corpo, que é a zona mais associada ao funcionamento da base do cérebro.

“Estes calores não são psicológicos. Esta questão da termorregulação corporal é algo que está muito bem objetivada através de exames de imagens realizados a nível cerebral e estão doseados os mecanismos neuroquímicos implicados. É algo comprovadamente fisiológico”, frisa a ginecologista. 

O que a ciência já comprovou, acrescenta, é que “a deficiência estrogénica produz alteração nas catecolaminas e prostaglandinas do sistema nervoso central que, ao interagir com os neurónios localizados na região cervical da medula espinhal, produz vasodilatação local, nomeadamente ao nível da cabeça, pescoço e tronco”

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A menstruação desaparece de forma repentina?

Esta questão está diretamente relacionada com o termo utilizado pela atriz e apresentadora: perimenopausa.

Em primeiro lugar, Fernanda Geraldes começa por explicar que existem dois tipos de menopausa: a espontânea e a iatrogénica.

Esta última resulta de alguma intervenção médica – como a retirada dos ovários por questões relacionadas com tratamentos de doenças, como o cancro – e faz com que a mulher “entre repentina e automaticamente na menopausa, o que costuma ser muito difícil pela redução repentina dos estrogénios”.

Já na menopausa espontânea “os ovários não funcionam como uma torneira que se fecha e acaba com produção de hormonas repentinamente”.

“Há um período, chamado de perimenopausa, ou climatério, que é variável de mulher para mulher, em que os ovários vão deixando de funcionar de forma mais ou menos indolente e ocorre uma redução gradual da produção de hormonas, com períodos em que os ovários ainda funcionam e outros em que deixam de funcionar”, explica a especialista.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a menopausa acontece, na maioria dos casos, entre os 45 e os 55 anos e é diagnosticada quando a mulher regista 12 meses consecutivos de amenorreia, ou seja, sem qualquer menstruação. 

Até chegar a esta fase decorre, então, um período transitório – a chamada perimenopausa ou climatério – que pode durar alguns meses ou alguns anos, sendo a média de quatro anos, em que os ciclos menstruais da mulher começam a sofrer alterações. 

Segundo Fernanda Geraldes, os ciclos “começam a ser mais curtos nesta fase inicial da perimenopausa – em vez dos habituais 28 dias, começam a ser de 15 dias – e numa fase mais avançada da perimenopausa, mais perto da menopausa, os ciclos menstruais ficam mais longos, podendo ser de 60 ou mesmo de 90 dias até que a menstruação deixa de aparecer” e termina a fase reprodutiva da mulher.

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É, precisamente, durante a perimenopausa que a mulher pode começar a sentir os primeiros sintomas associados à diminuição da produção de estrogénio.

As mulheres só se queixam dos afrontamentos?

Apesar de ser o sintoma mais conhecido, ou aquele que mais facilmente é percetível por quem convive com a pessoa, os afrontamentos não são as únicas queixas relatadas nestas fases da vida.

As perturbações do sono – muitas vezes associadas aos episódios recorrentes de calor extremo – são comuns e podem aumentar a irritabilidade, as tonturas e a sensação de cansaço durante o dia.

Algumas mulheres relatam também enxaquecas e dores de cabeça mais intensas e mais regulares, dores nos músculos e articulações.

Há também relatos de pessoas que apresentam mais problemas de memória, alterações de humor e ansiedade.

Outro sintoma comum, embora pouco assumido por parte das mulheres, é a atrofia vaginal. Os baixos níveis de estrogénios podem causar secura vaginal devido à menor produção de muco, o que pode resultar numa atrofia dos tecidos da vagina.

O desejo sexual diminui na menopausa?

“Podemos dizer que sim”, reconhece Fernanda Geraldes. As mulheres quando entram na perimenopausa começam a notar “alguma secura vaginal, alguma atrofia dos pequenos e grandes lábios vaginais e costumamos ver em consulta a diminuição das rugas na vagina. Com as paredes vaginais mais lisas e mais secas é possível que a mulher sinta mais dor durante a relação sexual e tudo o que é doloroso, não é prazeroso”, cenário que leva a mulher a evitar ter relações sexuais. 

Esta secura vaginal é um dos elementos que pode causar diminuição do desejo sexual, a par da diminuição da produção de estrogénios e de androgénios e também do cansaço provocado pelos restantes sintomas, como os afrontamentos, as perturbações do sono e as alterações de humor que levam muitas mulheres na perimenopausa ou na menopausa a sentirem-se menos predispostas ao envolvimento sexual.

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A menopausa faz a mulher aumentar de peso?

“Não vale a pena dourar a pílula ,porque na menopausa, com a diminuição dos estrogénios, há um desacelerar do metabolismo e, consequentemente, um ligeiro aumento de peso”, admite Fernanda Geraldes.

As mulheres temem, “e com razão”, sublinha a especialista, que a chegada da perimenopausa e da menopausa traga alguns quilos a mais, mas o mais comum é que o aumento ponderal ronde os dois ou três quilos. 

Ainda assim, e para não exceder esse limite, os especialistas aconselham hábitos alimentares saudáveis e a prática de exercício físico

“Não se pretende que passem a fazer maratonas se esse não é o seu histórico, mas sim que a mulher pratique exercício físico adequado à idade e à capacidade física que tem”, explica a ginecologista.

O que pode fazer a mulher para minimizar os sintomas?

A mensagem de Fernanda Geraldes é clara: “Não se resignem. A menopausa não é um fardo que a mulher tenha de carregar sem qualquer solução”.

Em primeira instância, a mulher deve implementar mudanças no estilo de vida. O National Institute of Aging, a agência americana dedicada às questões do envelhecimento, aconselha evitar o consumo exagerado de álcool, de comidas picantes e de cafeína, promove a cessação tabágica e a manutenção de um peso saudável neste período da vida das mulheres.

Esta agência também reconhece que algumas investigações preliminares apontam para os benefícios de práticas como o ioga e a meditação para a diminuição dos afrontamentos e dos outros sintomas da perimenopausa e da menopausa. 

Além disso, completa Fernanda Geraldes, “a prática de exercício físico ajuda a contrariar a depressão e a tristeza pela libertação de endorfinas importantes para o bem-estar da mulher”

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Medidas práticas como refrescar o quarto, optar por usar roupa em camadas que se podem tirar quando surge o calor excessivo, tomar duches frios e ter sempre por perto ventoinhas ou leques podem também ajudar a ultrapassar os afrontamentos.

Depois existe ainda a terapêutica hormonal com estrogénios para repor os níveis hormonais perdidos. 

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“A vantagem desta terapêutica é que vai atuar na causa dos sintomas e, além de os tratar, vai também melhorar a atrofia vulvar e vaginal e vai evitar a descalcificação do osso que acontece de forma acelerada nos primeiros anos da menopausa”, explica a especialista.

Estas terapêuticas estão contraindicadas a mulheres que tiveram cancros hormono-dependentes, nomeadamente da mama, e a mulheres que têm doenças relacionadas com a coagulação do sangue que as colocam em risco de sofrer tromboembolismos.

Quem tem doenças como diabetes mellitus descompensada, hipertensão ou doenças do fígado ativas também precisa de uma avaliação personalizada sobre a utilização da terapêutica hormonal.

Para as mulheres que não pode fazer terapêutica com estrogénios há terapêuticas não hormonais que vão atuar ao nível do centro termorregulador para diminuir o incómodo causado pelos afrontamentos.

Categorias:

Ginecologia

9 Mai 2023 - 03:14

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